Entre os muitos papéis do Poder Judiciário, um se destaca como pilar da vida econômica: garantir que o processo sirva à solução legítima de conflitos, e não à criação artificial de litígios.
Essa distinção, que parece óbvia à primeira vista, torna-se menos nítida quando analisamos casos de execuções materialmente inviáveis e práticas de litigância abusiva — fenômenos que têm ganhado relevo nos tribunais brasileiros e que expõem uma tensão entre a função jurisdicional e o uso instrumental do processo como ferramenta de pressão econômica.
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Em decisões recentes, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.25.117731-7/001) seguiu a orientação do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1.564.021/MG, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 30/4/2018.) segundo a qual, decretada a falência e estabilizada essa decisão, execuções individuais contra a empresa falida não devem apenas ser suspensas, mas extintas.
A razão é pragmática: não faz sentido manter ativa uma execução cujo desfecho, inevitavelmente, será inócuo — ou porque o crédito já foi satisfeito no juízo universal, ou porque não há patrimônio para sustentar a cobrança. A insistência nesse tipo de demanda não apenas consome recursos públicos e privados sem qualquer benefício concreto, como mina a credibilidade do sistema de justiça.
O problema se agrava quando, mesmo diante dessa inviabilidade, credores — muitas vezes fundos especializados na aquisição de créditos de alto risco — buscam estender constrições patrimoniais a terceiros alheios à relação original.
Não raro, o expediente envolve pedidos sigilosos, bloqueios surpresa e uma cadeia de incidentes distribuídos por dependência, mas sem identidade de partes, o que dificulta a defesa. Trata-se do que a doutrina e órgãos como o CNJ vêm denominando litigância predatória: a utilização do processo não como meio de resolver um conflito real, mas como estratégia de negócio.
Sob a lente da Análise Econômica do Direito, é um claro caso de distorção de incentivos: quando o custo de litigar abusivamente é baixo e a possibilidade de ganhos é alta, a tendência natural é que a conduta se repita. A consequência é um aumento artificial do estoque de processos, sobrecarga do Judiciário e desvio de energia institucional que deveria estar voltada à solução de disputas genuínas.
É aqui que entra a contribuição de Douglass North, ao afirmar que instituições são “as regras do jogo em uma sociedade” e moldam os incentivos que orientam o comportamento dos agentes. Se as regras — formais e informais — permitem ou toleram execuções impossíveis e incidentes abusivos, a mensagem enviada ao mercado é de que o uso distorcido do processo é um caminho viável para obter vantagens.
Essa percepção corrói a economia da confiança e eleva os custos de transação, pois agentes econômicos passam a se proteger não apenas contra riscos comerciais normais, mas contra o próprio risco jurídico-processual.
Portanto, o papel das instituições judiciais vai muito além de decidir casos: elas são guardiãs da previsibilidade e da coerência do ambiente econômico. Filtrar demandas inviáveis, aplicar sanções efetivas a condutas de má-fé, exigir demonstração concreta de interesse de agir e uniformizar entendimentos são ações que não apenas protegem os indivíduos diretamente envolvidos, mas preservam o próprio capital institucional que sustenta a segurança jurídica.
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Ao extinguir execuções sem perspectiva real de êxito e rechaçar práticas processuais predatórias, o Judiciário envia um sinal claro ao mercado: o processo não é instrumento de coerção ou especulação, mas de pacificação legítima de conflitos.
Essa mensagem, repetida e consolidada, reduz incertezas, reforça a confiança entre agentes econômicos e contribui para um ambiente de negócios mais estável e eficiente.
No fim, a questão não é apenas jurídica, mas de governança econômica. Como alertou North, sociedades que constroem instituições capazes de reduzir incertezas e alinhar incentivos estão mais aptas a prosperar. Isso exige vigilância permanente, especialmente quando a tentação de transformar litígios inviáveis em oportunidades de ganho financeiro ameaça a própria integridade do sistema.