O ambiente tributário brasileiro tem nos acostumado a uma rotina de incerteza, mas a insegurança gerada pela regra de subvenções ratificada pela Solução de Consulta Cosit nº 216/2025 é de uma gravidade ímpar, afetando diretamente a saúde financeira de milhares de empresas.
A Lei nº 14.789/2023, que instituiu um novo regime de tributação para as subvenções fiscais, foi criada com o objetivo de encerrar uma disputa entre Fisco e contribuintes. No entanto, em vez de pacificar o tema, a nova legislação abriu um novo capítulo sobre a temática da exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF
De um lado, a Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da recente Solução de Consulta Cosit nº 216, de 8 de outubro de 2025, firmou um posicionamento inflexível: a partir de 1º de janeiro de 2024, não há mais qualquer base legal para a exclusão desses valores.
Contudo, uma análise mais atenta da Solução de Consulta revela um ponto sutil, mas de grande relevância. Ao determinar que a nova regra se aplica “a partir de 1º de janeiro de 2024”, o Fisco, de forma implícita, admite que, para os fatos geradores anteriores a essa data, o entendimento que prevalecia era o da não tributação, em linha com a jurisprudência do STJ. Isso pode se tornar um argumento crucial para empresas que ainda discutem débitos do passado, especialmente considerando que a Solução de Consulta possui natureza jurídica de norma complementar, vinculando, portanto, a Administração Tributária.
Por outro lado, o Poder Judiciário, como exemplificado em uma decisão da Vice-Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), no Agravo de Instrumento nº 0811902-95.2024.4.05.0000, reconhece que a questão está longe de ser resolvida e já determinou o sobrestamento de processos para aguardar uma definição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de recursos repetitivos.
Este cenário de incerteza coloca milhares de empresas em um dilema crucial: seguir a orientação da RFB e arcar com uma carga tributária maior, ou apostar na via judicial, com base em precedentes históricos.
Na Solução de Consulta nº 216 de 2025, a RFB foi categórica. O órgão argumenta que a Lei nº 14.789/2023 revogou expressamente o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, dispositivo que, junto à Lei Complementar nº 160/2017, amparava o tratamento dos incentivos de ICMS como subvenção para investimento, permitindo sua exclusão da base do IRPJ e da CSLL.
Receba de graça todas as sextas-feiras um resumo da semana tributária no seu email
Segundo o Fisco, a nova sistemática eliminou a possibilidade de exclusão direta. Em seu lugar, foi criado um mecanismo de “crédito fiscal”, que permite às empresas apurar um crédito sobre as receitas de subvenção, mas apenas se cumprirem requisitos específicos de habilitação e investimento. Para a RFB, como não há mais norma autorizativa para a exclusão, a receita decorrente do crédito presumido de ICMS deve compor integralmente o lucro tributável, independentemente do regime de apuração (Lucro Real, Presumido ou Arbitrado).
A autoridade fiscal também rechaça a aplicação do precedente do STJ no EREsp 1.517.492/PR, que dispensava a necessidade de comprovação de que o incentivo seria destinado a investimento. A Cosit argumenta que tal julgamento foi proferido sob a égide da legislação anterior, já revogada; além de não ter sido julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, não vinculando, portanto, a administração tributária. Em resumo, para a Receita Federal, o debate acabou: o crédito presumido de ICMS é receita tributável.
Inscreva-se no canal de notícias tributárias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões!
Enquanto a RFB busca finalizar o assunto, o Poder Judiciário sinaliza que a discussão está apenas começando. A decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 0811902-95.2024.4.05.0000, pelo TRF-5, é um exemplo. Isso porque, ao analisar o tema, a Vice-Presidência do Tribunal reconheceu a existência de uma “questão controvertida” e admitiu outros recursos como representativos da controvérsia para envio ao STJ. A consequência prática foi a suspensão do processo até que o STJ julgue o tema sob o rito dos recursos repetitivos, cuja decisão terá efeito vinculante para todos os tribunais do país.
Essa postura demonstra que os magistrados não consideram a nova lei uma solução definitiva. Os contribuintes argumentam que a natureza jurídica do crédito presumido de ICMS não foi alterada pela Lei 14.789/2023. A tese central, validada no EREsp 1.517.492/PR, e, pode-se dizer, confirmada no voto do Tema 1.182 do STJ, é que esse incentivo não representa receita ou lucro, mas sim uma renúncia fiscal do Estado para reduzir custos e fomentar a atividade econômica. Admitir a tributação por parte da União representaria uma violação ao Pacto Federativo, pois o ente estaria se apropriando de um incentivo concedido pelos Estados.
O cenário atual revela uma nítida confrontação de competências: de um lado, a interpretação da União, visando a centralização da arrecadação; de outro, a manutenção da eficácia dos incentivos estaduais e o princípio do Pacto Federativo. Enquanto esta controvérsia de alta relevância federativa aguarda a chancela final do Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos repetitivos, a subsistência de entendimentos divergentes, mesmo na esfera administrativa e judicial, impõe ao contribuinte uma profunda insegurança jurídica.

