O partido Rede Sustentabilidade contestou, no Supremo Tribunal Federal (STF), o uso de sorteios como critério de definição de vagas destinadas a candidatos negros, indígenas e quilombolas no Concurso Nacional Unificado (CNU) e em todos os certames públicos e processos seletivos promovidos por órgãos da administração pública federal. Na ação, ajuizada na segunda-feira (29/7), o partido pede que o Tribunal suspenda imediatamente essa prática e a declare inconstitucional.
Segundo o partido, o sorteio “atenta diretamente contra a dignidade da pessoa humana ao transformar o acesso a direitos fundamentais em questão de sorte ou azar”, além de violar os princípios da isonomia e da administração pública.
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Além do CNU, o partido também cita a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na ação, a legenda diz que a instituição tem adotado “um padrão sistemático de burla à legislação de cotas” por meio do fracionamento de vagas seguida pela implementação de sorteio para definir quais unidades acadêmicas seriam contempladas com a reserva de cotas.
Com o sorteio, apesar de ter ofertado 1.055 vagas para o cargo de professor de 2014 a 2024, a UFRJ empossou somente quatro pessoas durante o período. Conforme a proporção legal, a oferta das vagas deveria resultar na contratação de 211 docentes negros.
De acordo com a Rede, a prática é “generalizada” em diversas universidades federais, que têm utilizado o sorteio como mecanismo para limitar artificialmente o alcance das ações afirmativas. O partido destaca que isto compromete a previsibilidade dos concursos, viola o princípio da segurança jurídica ao criar “expectativas legítimas que podem ser frustradas por mero acaso”, e desincentiva a autodeclaração por candidatos.
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“A utilização do sorteio para definir vagas de cotas produz múltiplos efeitos deletérios. Em primeiro lugar, viola o direito de dupla porta de entrada, isso porque art. 7 da Lei n 15.142/2025 assegura expressamente que ‘todos os destinatários da norma’ têm direito à dupla porta de entrada nos concursos públicos. O sorteio nega esse direito fundamental, impedindo que candidatos negros, indígenas e quilombolas concorram simultaneamente na ampla concorrência e na reserva de vagas”, diz o partido na ação, que é assinada pelos advogados Márlon Jacinto Reis, Rafael Martins Estorilio, Paulo Santos Mello, Matteus Henrique de Oliveira e Lucas de Castro Oliveira.
“Ao mesmo tempo, os candidatos que percebem que seu direito às cotas está condicionado a um sorteio, muitos optam por não se autodeclarar, comprometendo a própria finalidade das ações afirmativas”, continua.
Sem previsão legal
A Rede também argumenta que não há previsão legal para o sorteio. Diz ainda que a prática não consta nas leis que regulam as cotas raciais no serviço público (Leis 12.990/2014 e 15.142/2025) e que a prática configura violação à Convenção Interamericana contra o Racismo, da qual o Brasil é signatário.
O sorteio nos concursos já havia sido questionado na Justiça Federal no início do mês. O Ministério Público Federal acionou Justiça Federal do Distrito Federal para suspender o CNU até que falhas apontadas no edital fossem corrigidas.
O que diz o edital
O edital da 2ª edição do Concurso Público Unificado, divulgado em 30 de junho, prevê que nos casos dos cargos/especialidades que não atendam aos critérios mínimos para a aplicação automática da reserva de vagas, a distribuição das vagas reservadas será estabelecida por sorteio público. Isso vale tanto para as vagas destinadas a candidatos negros, indígenas, quilombolas e para as vagas para pessoas com deficiência.
Questionada sobre os critérios técnicos e jurídicos que embasam o uso do sorteio para definição de vagas destinadas às cotas, o Ministério da Gestão e Inovação (MGI), responsável pelo CNU, disse que a prática garante a aplicação das cotas mesmo em cargos com apenas uma vaga e amplia as chances de participação para pessoas negras, indígenas, quilombolas e com deficiência.
“Em concursos tradicionais, cargos com apenas uma vaga não são obrigados a reservar cotas. No CPNU 2, isso mudou. Foi realizado um sorteio público e transparente para aplicar cotas também nesses casos. O impacto foi direto: entre os 169 cargos ou especialidades com apenas uma vaga, 59 tiveram aplicação de cotas por meio do sorteio. Com isso, 35% dessas oportunidades passaram a contemplar ações afirmativas, assegurando inclusão justamente onde, tradicionalmente, ela não ocorreria”, afirmou o MGI em texto de 16 de julho que trata sobre o processo de sorteio citado em nota.
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“Isso é possível graças ao modelo de classificação por bloco temático, em que as pessoas candidatas concorrem a um conjunto de vagas dentro de um mesmo eixo de atuação, e não a cargos isolados. Esse formato permite aplicar as cotas de maneira mais ampla e efetiva, mesmo em vagas únicas, respeitando os percentuais previstos em lei ao final do processo seletivo”, completa o ministério.
Também procurada, a Advocacia-Geral da União (AGU) declarou ainda está estudando o processo e vai colher os subsídios junto ao MGI para formular a manifestação.
A ação da Rede tramita como ADPF 1245. Ainda não foi sorteado relator.