A reforma tributária do consumo, aprovada pela Lei Complementar 214/2025, impactará diversos setores a partir do próximo ano. Entre os mais afetados está o transporte aéreo internacional, em que o custo médio de bilhetes internacionais pode subir de US$ 780 para US$ 985, causando uma redução da demanda entre 21% e 29%, conforme estudo realizado pela IATA[1].
Isso acontece porque o texto aprovado estabelece a tributação de tais atividades, indo na contramão da prática adotada pela maioria dos países que segue as diretrizes da Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO), agência especializada da ONU, cujas políticas de tributação recomendam reduzir ao máximo a tributação sobre a receita bruta e impostos cobrados diretamente dos passageiros ou remitentes[2].
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Também a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), principal representante do setor, recomenda a isenção de Impostos sobre Valor Agregado, entre outros motivos, pelo fato de que o transporte aéreo internacional é operado com grande mobilidade em múltiplas jurisdições no espaço aéreo internacional[3].
Essas diretrizes levam em conta o contexto operacional em que custos relevantes do setor costumam ser concentrados no país de sede da companhia aérea – como leasing de aeronaves, seguros e manutenção – os quais, segundo relatório do governo federal, representam cerca de 24% do custo total das companhias aéreas[4].
Atualmente, o Brasil aplica essas diretrizes e as receitas decorrentes do transporte aéreo internacional não estão sujeitas ao PIS, Cofins, ICMS e ISS. Esse cenário evidencia que a desoneração do transporte internacional não constitui um benefício fiscal como tantos outros extintos pela reforma, mas sim a adoção, pelo Brasil, de práticas internacionais amplamente reconhecidas e adotadas pela maioria dos países, com base na reciprocidade.
Contudo, a LC 214/2025 deixou de prever qualquer desoneração, trazendo apenas uma redução da base de cálculo no transporte internacional de passageiros, condicionada à venda conjunta dos trechos de ida e volta.
Esse “benefício”, no entanto, representa apenas a materialização das regras de territorialidade previstas na própria legislação. Isso porque, no transporte de passageiros, considera-se o local do início do transporte como o local da operação tributável. Assim, em uma venda de passagem internacional de ida e volta, o trecho com origem no exterior já estaria fora das regras de incidência do IBS e da CBS.
Além do mais, há dúvidas sobre o tratamento tributário em diversas operações. Destacamos uma: considera-se exportação de serviços o fornecimento para residente no exterior, com consumo no exterior. Contudo, caso não seja possível identificar o local do consumo pelas “condições e características” do fornecimento, presume-se ocorrido no exterior.
Por outro lado, na hipótese de fornecimento concomitantemente no território nacional e no exterior, apenas a parcela cuja execução ou consumo ocorrer no exterior será considerada exportação.
Diante desse cenário, no voo com origem no Brasil e destino no exterior, é possível afirmar que parte do serviço é “consumida” no exterior. Nesse contexto, as variáveis técnicas e climáticas que impactam as rotas diariamente tornam inviável a identificação prévia do local de consumo? Ou deverá haver uma análise posterior do trecho percorrido em espaço aéreo nacional em comparação ao internacional, para então tributar proporcionalmente apenas a parcela “consumida” no Brasil?
Ainda que seja possível aprimorar a redação para esclarecer esse (e outros) pontos obscuros, o fato é que o destaque no PL 68/2024 que previa a desoneração do transporte aéreo internacional foi rejeitado no Senado. A justificativa foi a existência de inúmeros outros “benefícios” às companhias aéreas, como no querosene de aviação, serviços de bordo (catering), programas de milhagens, leasing etc.[5].
Contudo, a nova tributação sobre o transporte aéreo internacional, ao contrariar diretrizes internacionais, pode comprometer a competitividade do Brasil, o comércio multilateral, o fluxo de pessoas e o turismo.
Além disso, pode gerar distorções em um mercado com forte presença de companhias estrangeiras, as quais passam a se submeter a uma carga tributária elevada, sem a contrapartida da não cumulatividade plena, dada a natureza operacional do setor, com custos relevantes concentrados no exterior sem gerar direito a crédito.
Diante desse cenário, é recomendável que o tema seja revisto por meio de regulamentação infralegal ou ajustes legislativos, de modo a garantir segurança jurídica e alinhamento com as práticas internacionais.
[1] Brazil Tax Reform Briefing Paper
[2] https://www.icao.int/publications/Documents/8632_2ed_en.pdf
[3] Value Added Tax – Tax exemption must be maintained for international travel
[4] Relatório de Recomendações – Operações de Leasing (Arrendamento) de Aeronaves e Motores
[5] Reforma tributária: Senado rejeita desonerar passagens aéreas internacionais

