O secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), Mateus Amâncio, disse estar confiante de que a atualização das regras de precificação de medicamentos seja publicada até o fim de dezembro.
A expectativa se mantém, afirmou, mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliar, em audiência realizada nesta segunda (10/11), que as propostas feitas pela CMED não cumprem a determinação do Tema 1234 sobre a publicação do registro de medicamentos.
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O julgamento condicionou a divulgação da permissão da comercialização e uso de produtos novos no país à fixação do preço.
Este mecanismo, no entender dos ministros, reduziria o risco de empresas pedirem registro de medicamentos e não pedirem a fixação de preços. Embora esta situação impeça a comercialização, ela abre espaço para que o medicamento possa ser requisitado por meio de ações judiciais.
Na proposta de resolução, a CMED havia fixado um prazo para que a empresa ingressasse com o pedido, sob pena de que a precificação começasse por meio de ofício. Integrantes do Supremo, contudo, avaliam que este caminho não contempla o que foi definido no julgamento.
Na reunião de segunda, ficou acordado que uma solução terá de ser apresentada até a primeira semana de dezembro. “A princípio, o pedido do STF exigirá uma atuação conjunta entre a área de registro da Anvisa e a CMED. Nosso foco é garantir que esta demanda não atrase a nossa agenda regulatória”, afirmou
Amâncio ao JOTA.
Nesta entrevista, Amâncio dá detalhes sobre os trabalhos realizados na CMED para modernização da política de preços de medicamentos no país. O ponto de partida, conta, é a atualização da Resolução 2, de 2004.
“Temos outras propostas em análise. Muitas já estão em estágio avançado. Mas somente vamos colocá-las em consulta pública depois que a Resolução 2 estiver publicada”, contou.
A estratégia não é à toa. A Resolução 2 é vista como o alicerce das demais medidas. Uma eventual simultaneidade de discussões, ponderou, poderia reduzir a eficiência do debate.
O texto preparado pela CMED está neste momento em análise pela Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde. Conversas entre a equipe da CMED e da consultoria estão em curso, para ajustes finais.
Amâncio observa que o texto pode ainda sofrer mudanças até a aprovação final, com o Conselho de Ministros. Feita a ressalva, o secretário da CMED adianta para o JOTA alguns pontos do estágio atual.
Há a tendência, por exemplo, de que o parâmetro internacional para definir o preço de medicamentos novos, conhecida como cesta de países, fique próximo do que havia sido proposto na minuta da Resolução 2.
“Este ponto deve permanecer relativamente parecido com o que foi colocado na minuta que submetemos à análise. Embora tenhamos recebido muitas contribuições sobre o tema, não houve mudanças muito significativas nesta área. É claro que o texto ainda passará pelo conselho de ministros, onde alguma alteração pode ocorrer, mas a ideia é não mudar muito o que já foi proposto”, afirmou.
O mesmo não ocorre, porém, com preços provisórios. Havia a intenção da CMED de ampliar a possibilidade do uso deles. O entendimento era o de que o recurso reduziria o risco de preços serem fixados em patamares mais altos. A proposta de mudança foi criticada pelas farmacêuticas.
Questionado, Amâncio afirmou: “Este é um conteúdo relativamente sensível e que exigiu mais conversas, principalmente internas. Por essa razão, preferimos aguardar a publicação do texto definitivo. Adiantar uma informação que possa não constar na versão final seria complicado, então optamos por manter os detalhes reservados até a conclusão do processo.”
A modernização também prevê regras para categorias de produtos até então não contempladas: as inovações incrementais e os biossimilares.
“A intenção é incentivar e remunerar adequadamente o esforço inovador e o risco de investimento das empresas, permitindo que a inovação possa acontecer de forma mais livre no país”, disse.
Na entrevista, Amâncio adianta o que vem sendo construído para resolução sobre multas, o esforço para ter dados do mercado mais condizentes com a realidade e, ainda, sobre reajustes extraordinários.
Leia a seguir os destaques da conversa.
Qual será a proposta para biossimilar?
O grande ganho da nova regra é a clareza. Uma empresa que queira lançar um produto biológico não novo no país saberá exatamente a quais critérios ele será submetido. Isso reduz as incertezas que hoje geram distorções. O modelo que desenvolvemos está alinhado com práticas internacionais. Buscamos o que era comum e o que se adequa à nossa realidade.
Está previsto o deságio? Ele poderá ocorrer de acordo com o grau de concorrência do mercado?
O que eu posso falar por enquanto, nesse momento, é que a regra será clara. O fabricante do produto biológico saberá como vai ser esse processo de precificação.
Que mecanismos serão implementados para evitar que a inovação incremental encareça o mercado ou reduza a oferta de medicamentos já existentes?
Essa é uma grande preocupação da CMED. Sabemos que o mercado farmacêutico é, em muitos segmentos, monopolizado ou oligopolizado. Para mitigar o risco de uma empresa substituir o medicamento originador por um de inovação incremental com preço maior, as regras não serão únicas. Elas devem variar conforme o nível de competição do mercado.
Em mercados mais competitivos, onde o impacto de um aumento de preço seria menor, haveria maior liberdade. O objetivo é conciliar o estímulo à inovação com a prevenção de distorções de preço e oferta.
Será algo parecido com a lógica do reajuste de preços?
Pode-se dizer que é um pouco pouco parecida. Dependendo de em qual mercado aquele medicamento esteja inserido, ele terá ou não a possibilidade de entrar numa regra um pouco mais vantajosa. Buscamos mecanismos para estimular a inovação e permitir a remuneração desse investimento.
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Como será o acompanhamento?
Nossa ideia é aprimorar o monitoramento de mercado, que é uma coisa que a CMED já faz, a partir do envio do relatório de comercialização das empresas. Estamos trabalhando em duas frentes para fortalecer a nossa base de dados. A primeira é um esforço retroativo de correção, revisando relatórios de anos anteriores – pelo menos até 2019 – para identificar possíveis erros e contatar as empresas para que corrijam as informações.
A segunda frente é o aprimoramento do recebimento de novas informações através do desenvolvimento de uma nova ferramenta de validação.
Qual ferramenta?
Estamos desenvolvendo um software internamente. Ele permitirá que, assim que a empresa enviar o relatório, alertas automáticos sobre informações possivelmente inconsistentes, como um aumento de 1000% na comercialização de um medicamento, por exemplo, possam ser gerados. Isso nos permitirá entrar em contato com a empresa para uma correção quase em tempo real. A nossa expectativa é que ele já esteja ativo para o próximo ciclo de envio de relatórios.
Qual o impacto real dos erros de dados identificados até agora? Eles poderiam ter distorcido os reajustes de preços anuais?
Os erros poderiam afetar análises, mas não acreditamos que isso tenha ocorrido nos estudos que definem os níveis de reajuste de preços.
Esses estudos de alto impacto passam por um processo de refinamento muito criterioso e se observamos erros, pedimos as correções manualmente. A principal consequência dos erros estava na integridade da base de dados agregada, usada para estudos mais amplos de mercado, como o anuário estatístico.
A maioria das falhas parece ser de preenchimento humano e não algo oportunista. O novo software é crítico para automatizar essa verificação e garantir a confiabilidade da base de dados como um todo.
Vocês estão trabalhando também numa regra para reajustes extraordinários de preços. Seja aumento ou redução. Como será?
Estamos trabalhando internamente em uma regra específica para reajuste extraordinário. Entendemos a necessidade de um mecanismo para lidar com mudanças abruptas nas condições de mercado que afetam as empresas. Temos um texto em desenvolvimento junto aos ministérios e ele está bastante avançado. Nossa intenção é que ele vá para Consulta Pública logo após a publicação da nova resolução de preços.
A CMED também está revisando a resolução sobre multas e sanções. Quais são os objetivos desta revisão?
A revisão da resolução de sanções tem dois objetivos principais. O primeiro é modernizar as infrações previstas. O segundo, e mais importante, é calibrar a dosimetria das multas. Não queremos que a CMED se torne uma “câmara de multas”. O objetivo é que as sanções sejam corretivas e educativas, garantindo que a empresa “aprenda a lição” com a infração sem que isso afete profundamente sua operação. Isso envolve, por exemplo, aprimorar a diferenciação das penalidades entre a simples oferta de um produto com sobrepreço em uma licitação e a venda efetivada, que causa um dano mais direto.
O que está sendo planejado para a atualização da lista do Coeficiente de Adequação de Preço (CAP) e qual o impacto esperado?
Estamos trabalhando na atualização tanto da lista de medicamentos sujeitos ao CAP quanto do próprio índice de desconto. O CAP é aplicado a uma lista específica de medicamentos, resultando em um Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) inferior ao Preço Fábrica (PF) em licitações.
O principal impacto da atualização é a economia para o governo, pois incluiremos medicamentos que hoje estão fora da regra, mas deveriam estar sujeitos ao desconto.
Essa atualização é crucial não apenas para compras diretas, mas também para a judicialização, um ponto reforçado por uma decisão recente do STF (Tema 1.234) que confirmou a aplicação do PMVG em compras por ordem judicial.
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Terapias avançadas e radiofármacos serão incluídos na nova resolução de preços?
Não. Devido às suas particularidades e complexidade, entendemos que esses dois grupos de produtos precisam de uma atenção especial. Por isso, eles serão tratados em resoluções específicas e separadas da regra geral de preços.
Qual é a abordagem da CMED para a precificação de terapias avançadas?
Já temos um texto interno em desenvolvimento, aproveitando um trabalho significativo realizado na gestão anterior. Reconhecemos que a precificação de terapias avançadas é um desafio global, principalmente devido aos custos muito elevados. Estamos trabalhando nessa resolução específica junto aos ministérios que compõem o Comitê Técnico-Executivo, além de contar com auxílio de outras áreas da Anvisa.
Como a CMED está se preparando para atender às novas demandas resultantes da reforma tributária?
Já estamos trabalhando neste ponto. Já organizamos grupos de trabalho que avaliaram todas as providências necessárias. Um dos pontos importantes é a lista de medicamentos que receberão isenção de impostos, tanto com alíquota zero quanto com redução no IBS e CBS.
O Ministério da Saúde tem trabalhado em uma metodologia para a transição que servirá como guia. Os dados para efeito tributário até o momento são condicionados ao registro na Anvisa.
Aqui na CMED pretendemos intensificar a atuação do GT de reforma tributária, tanto no âmbito do CTE quanto da Secretaria Executiva. Nossa ideia é não deixar o setor desorientado neste momento de transição, garantindo a continuidade do abastecimento e do acesso da população aos medicamentos.

