Uma resposta corriqueira à crise entre Poderes é um poder apontar excessos no outro e sugerir mudanças. Diante do impasse do IOF, não seria diferente. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), voltou a falar em limitar o acesso ao Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia é diminuir a judicialização da política. Não é a primeira vez que a discussão circula por Brasília e há ministros da própria Corte que coadunam com a ideia.
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Uma das hipóteses que têm circulado nos corredores do Congresso seria a apresentação de um projeto de lei que condicione o ajuizamento das ações por partidos políticos no Supremo à cláusula de barreira (ou desempenho) – ou seja, apenas partidos maiores teriam acesso à Corte. Existe um entendimento entre congressistas que é “fácil” acionar o Supremo e a torneira deve ser fechada.
O cálculo parece simples: ao restringir os legitimados a ingressar com ações no STF, diminuiria-se, também, os processos e a intervenção do Supremo nas questões do Legislativo, pois a Corte não seria chamada a arbitrar por inconformados que perderam os debates no parlamento.
Com um plus: os partidos impedidos de acionar a Corte seriam os menores, ou seja, com dificuldades de formar maioria. Assim, eles ficariam vencidos dentro do parlamento, sem outra arena para reclamar suas questões e o STF não seria usado como uma terceira “votação”.
A explicação parece simples e lógica. Contudo, há muitas questões que precisam ser equacionadas e os dados podem ajudar. Segundo levantamento feito pela Nexus, Pesquisa e Inteligência de Dados, 21 novas ações foram protocoladas apenas no 1º semestre de 2025 por partidos políticos no STF. Dessas, quatro estão relacionadas ao processo que julga a tentativa de golpe de Estado no Brasil em 2022 e outras seis, a medidas do governo federal, as demais se insurgem contra normas locais.
No caso do IOF, pivô da crise recente, dois partidos ingressaram com ações no STF: o Partido Liberal (PL), do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o PSol, da base governista.
Além do IOF, outras ações que incomodaram o Congresso foram duas ajuizadas pelo PDT e Rede e pelo PSol contra um decreto da Câmara que suspendeu a totalidade da ação penal da tentativa de golpe em relação ao deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). Aqui, o STF suspendeu apenas a parte relativa a crimes praticados pelo parlamentar depois da diplomação, o que causou desconforto entre os poderes.
Segundo o levantamento, partidos de diferentes abordagens políticas acionaram o Supremo. Sendo que PSol e o PDT, da base governista, são os mais ativos. Na sequência, aparece o PL, hoje, de oposição do governo federal.
A partir do cruzamento de dados do levantamento da Nexus com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos partidos que ingressaram com ação apenas o Solidariedade não atingiu a cláusula de barreira nas eleições de 2022. Os demais, sim, e alguns, ancorados em federação, como é o caso do PSol. Agora, em 2025, o próprio Solidariedade formou uma federação com o PRD.
Assim, dentre as várias questões a serem discutidas sobre a alteração da legitimidade dos partidos políticos para acionar o Supremo, uma delas seria a possibilidade ou não dos partidos federados ajuizarem ações. Eles entrariam sozinhos ou por meio da federação? Ao pertencer à federação que atingiu a cláusula de barreira, o partido pode ingressar no STF, sem os demais partidos?
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Mais uma dúvida surgiria: a Constituição fala que os partidos políticos são legitimados, portanto, um projeto de lei não pode ser superior à Constituição. Mesmo que a mudança seja por emenda à Constituição, a maioria do STF pode interpretar que a restrição aos partidos políticos menores fere princípios constitucionais como a representação de minorias, a vontade popular e a democracia e, portanto, rejeitar a mudança.
Vale lembrar ainda que o Supremo tem função contramajoritária no regime político brasileiro. Portanto, no sistema de freios e contrapesos dos Três Poderes, a Corte tem o papel de proteger as minorias e os seus direitos fundamentais frente às maiorias, quase sempre representadas por partidos menores. Caso contrário, pode haver desamparo àqueles que não conseguem maioria nas forças políticas e que também precisam de proteção do Estado, como indígenas, grupos homoafetivos, quilombolas, entre outros.
Não há dúvidas que a política vem acionando mais o Supremo nos últimos anos e que os partidos políticos são personagens centrais, principalmente em momentos de tensão entre os poderes e os entes federados. Dados do Corte Aberta, do STF, demonstram que desde 2017, os dois anos em que os partidos mais acionaram o STF com novas ações foram 2020 e 2021, puxados pela pandemia e os conflitos federativos da União, estados e municípios. Mas se olharmos que, em 2017, os partidos ajuizaram 58 novas ações, e em 2024, o número saltou para 96, podemos observar que existe uma tendência de aumento da judicialização por esses atores políticos.
Portanto, existe o fenômeno da judicialização da política e isso precisa ser debatido. Mas apenas propor a diminuição do acesso por partidos menores não parece o caminho mais racional da discussão. Um debate dessa amplitude não pode ocorrer no calor de um momento de tensão, ele merece diálogos equilibrados e que pense no futuro do Brasil, não apenas na situação do agora.