O Brasil vem trilhando, desde a Constituição de 1988, um caminho exitoso na construção de um modelo federativo de financiamento da educação. A criação do Fundef, em 1996, e sua ampliação para toda a educação básica com o Fundeb, em 2007, representaram marcos sucessivos de fortalecimento da responsabilidade pública na garantia do direito à educação.
A arquitetura dessas políticas está baseada, desde o Fundef, na constituição de 27 fundos estaduais e distrital de natureza contábil, compostos por parte das receitas de impostos municipais e estaduais vinculadas à educação.
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Esses recursos são redistribuídos internamente nos estados, com base nas matrículas das redes públicas, e variações conforme jornada, nível e modalidade de ensino. Naqueles estados cujos recursos não alcançam valor mínimo por estudante, a União fazia uma complementação de até 10% do valor do fundo.
Com a Emenda Constitucional 108/2020, o Fundeb foi finalmente alçado ao status de política permanente de Estado. Estudos robustos indicavam que a complementação da União em 10% havia sido determinante para avanços, mas era ainda insuficiente. E o Novo Fundeb estabeleceu a ampliação gradual da complementação, passando de 10% para 23% até 2026.
A complementação da União aos fundos estaduais passou a se dividir em três modalidades: VAAF, VAAT e VAAR. As três siglas se referem ao valor destinado por aluno matriculado ao longo de um ano, mas seguem sistemáticas distintas de cálculo e distribuição: VAAF (destinado à complementação dos fundos estaduais, conforme modelo original), VAAT (para redes, inclusive municipais, com menor disponibilidade total de recursos) e VAAR (distribuição condicionada a resultados).
O VAAR (Valor Aluno-Ano por Resultados) é a inovação mais peculiar do novo Fundeb. Representa uma parcela pequena do orçamento (até 2,5 pontos percentuais da complementação da União), justamente por ter caráter premiativo. Ele não substitui o apoio estrutural às redes, mas sinaliza resultados que o Estado brasileiro considera desejáveis e busca estimulá-los: aprendizagem com equidade.
Ao atrelar parte dos recursos à melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades educacionais, o VAAR explicita uma finalidade do investimento público em educação. Insere, no centro da política federativa, a expectativa de que os gestores educacionais atuem para promover o avanço de todos os estudantes, especialmente os mais vulneráveis.
É um avanço relevante que a regulamentação do VAAR explicite a redução de desigualdades entre grupos socioeconômicos, raciais e de estudantes com deficiência como um objetivo. Também é positivo que priorize o avanço de estudantes com níveis de aprendizado mais aquém do considerado adequado.
Mas esse é um mecanismo jovem e em fase de amadurecimento. Há quem questione se o VAAR estaria, na prática, premiando as redes que já têm mais condições, reproduzindo desigualdades em vez de corrigi-las. No entanto, faltam evidências empíricas sólidas para sustentar essa hipótese. O desafio atual é avaliar com rigor os efeitos distributivos do mecanismo e aprimorar sua capacidade de indução.
Para que um sistema de incentivos funcione bem, é essencial que os critérios sejam claros e compreensíveis. O VAAR ainda apresenta alta complexidade conceitual, técnica e administrativa — desde a comprovação das condicionalidades de habilitação até os indicadores utilizados na distribuição dos recursos.
Além disso, o Brasil precisa avançar no mapeamento de políticas promotoras de aprendizado inclusivo e identificação das práticas que funcionam no contexto brasileiro, sobretudo para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. Além de saber que resultados buscar, atores educacionais também precisam de mais informações sobre o que fazer para alcançá-los.
A própria Emenda Constitucional previu, acertadamente, um mecanismo de revisão periódica. Em 2026, será a primeira grande oportunidade de reavaliar o funcionamento do Fundeb à luz de sua implementação e propor revisões, o que deve ser feito em nível infraconstitucional e regulatório. Em 2025, tramita no Congresso Nacional um novo Plano Nacional de Educação, que avança para dar mais ênfase à qualidade com equidade, com previsão de aprovação até o final deste ano.
O momento atual é oportuno para o balanço e debate de propostas para a garantia das condições e incentivos financeiros do projeto educacional brasileiro. O país precisa se comprometer com um avanço substantivo do direito de aprendizagem de todos os estudantes.
Base legal
A complementação-VAAR foi instituída pela Emenda Constitucional 108/2020, que incluiu o art. 212-A na Constituição Federal, estabelecendo que 2,5 pontos percentuais da complementação da União ao Fundeb devem ser distribuídos às redes públicas que cumprirem condicionalidades de gestão e apresentarem melhoria de indicadores de atendimento e aprendizagem com redução das desigualdades (art. 212-A, V, “c”).
A Lei 14.113/2020 regulamenta essa previsão nos arts. 5º e 14, definindo as cinco condicionalidades obrigatórias para habilitação ao VAAR e os critérios de distribuição. A Lei 14.276/2021 detalhou os indicadores de equidade e previu flexibilizações em situações excepcionais.
O Decreto 10.656/2021 estabelece os parâmetros técnicos e operacionais, enquanto uma Portaria Interministerial MEC/ME define anualmente os valores e as redes contempladas. A revisão periódica do mecanismo está prevista no art. 60-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com previsão de reavaliação em 2026 e, posteriormente, a cada 10 anos.