Os contratos de concessão de infraestrutura, pela sua natureza de longo prazo, operam sob uma tensão intrínseca. De um lado, a rigidez das cláusulas contratuais é fundamental para assegurar a estabilidade das regras, a segurança jurídica e a financiabilidade dos projetos. De outro, a passagem do tempo inevitavelmente introduz novas realidades técnicas, econômicas, e sociais que demandam adaptação.
Nesse contexto, os mecanismos de revisão periódica emergem como um potencial instrumento de governança contratual para mediar essa tensão. Eles permitem a realização de ajustes ordenados e previsíveis, que readequam o escopo de obras e serviços às necessidades contemporâneas, ao mesmo tempo em que se propõem a preservar o equilíbrio da relação pactuada entre o poder concedente e a concessionária.
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Em Mato Grosso, é perceptível um processo evolutivo no âmbito das revisões periódicas de concessões de rodovias. Nos contratos firmados entre 2010 e 2011, não havia qualquer previsão de revisão contratual. Já nos contratos de 2018 a 2021, foi inserida a figura da “revisão ordinária”, realizada a cada 3 anos em um procedimento conduzido pela agência reguladora.
Em 2025, o estado de Mato Grosso licitou novos contratos de concessões de rodovias que trouxeram um salto evolutivo no tema: eles estabelecem uma revisão quadrienal que tem prazo certo de 1 ano para ser concluída.
A estipulação de um prazo fatal para a conclusão do processo revisional é uma inovação de grande relevância para a segurança jurídica do contrato. Processos de revisão que se estendem indefinidamente criam um ambiente de incerteza regulatória, com consequências negativas para todas as partes envolvidas.
Ademais, o escopo da revisão quadrienal foi consideravelmente expandido em relação ao modelo anterior. Além de contemplar a revisão do PER e dos parâmetros de desempenho, o novo modelo inclui explicitamente a revisão do plano de seguros e a “reavaliação da matriz de alocação de riscos”.
Essa mudança é fundamental: a inclusão da reavaliação periódica da matriz de riscos transforma a revisão em um mecanismo de gestão contratual dinâmica e adaptativa[1]. A possibilidade de reavaliar periodicamente a alocação de responsabilidades por riscos permite que o contrato evolua e mantenha sua resiliência ao longo do tempo[2].
A dinâmica dos contratos anteriores era essencialmente top-down. Isso é, as demandas por novos investimentos eram recebidas e priorizadas segundo critérios técnicos internos à agência reguladora e ao poder concedente.
Por outro lado, agora há um processo estruturado de participação social na proposição de novos investimentos.
O novo modelo de Mato Grosso atribui à concessionária a obrigação de manter uma plataforma para o recebimento, processamento e priorização técnica de demandas, investimentos e melhorias propostas por cidadãos, entidades públicas e privadas, além do próprio poder concedente.
Até o início do quarto ano de cada ciclo, a concessionária deve analisar todas as demandas recebidas por meio dessa plataforma e compilá-las em um relatório detalhado, que deve conter uma sugestão de priorização, baseada em critérios como urgência, viabilidade de execução e melhoria na prestação dos serviços, servindo como subsídio técnico para a fase seguinte.
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Com base no relatório da concessionária, a agência reguladora inicia formalmente o processo de revisão, no qual há a previsão de aprofundamento da participação social por meio de audiências públicas.
A arquitetura da revisão quadrienal pode gerar um conjunto de benefícios sistêmicos que aprimoram a gestão contratual e a qualidade da infraestrutura entregue à sociedade. A combinação de um ciclo de revisão mais longo (quatro anos), um prazo de conclusão definido (um ano) e um procedimento claro e transparente cria um ambiente de maior estabilidade e previsibilidade.
Por fim, ao incorporar de forma estruturada a participação social e a gestão dinâmica de riscos, o modelo de Mato Grosso não apenas aprimora a governança de seus próprios contratos, mas também se posiciona como uma referência de boas práticas para futuros projetos de infraestrutura no país.
[1] Sobre o tema, cf.: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-matriz-de-riscos-dinamica-uma-solucao-para-incertezas-contratuais
[2] A flexibilidade inerente à Revisão Quadrienal, especialmente por meio da reavaliação da matriz de riscos, opera em sinergia com outras cláusulas inovadoras do contrato, como o “Ambiente Contratual Experimental (Sandbox Contratual)”, previsto na Cláusula 39, já comentada nesta coluna: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/uma-clausula-geral-de-mutabilidade-das-concessoes