Após a divulgação das propriedades alucinógenas do seu veneno nas redes sociais, os sapos do deserto de Sonora estão ameaçados Tecnologia, Animais em extinção, conservação animal, psicodélicos, Sapo CNN Brasil
Um estudo divulgado recentemente na conferência Psychedelic Science, realizada em Denver, nos EUA, identificou e documentou, pela primeira vez, um fenômeno emergente: a ameaça de extinção de uma espécie de sapo, induzida pela popularização midiática das substâncias alucinógenas que ele produz.
Embora o anfíbio objeto do estudo — Incilius alvarius, mais conhecido como sapo do deserto de Sonora — seja listado oficialmente como “menos preocupante” na lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), esse status pode não estar refletindo a realidade atual da espécie.
De acordo com a pesquisa, “relatos anedóticos e observações de campo sugerem que as populações selvagens diminuíram significativamente nas últimas décadas — potencialmente devido ao aumento do interesse humano no composto psicodélico 5-MeO-DMT, que ocorre naturalmente nas secreções do sapo”.
Apesar de identificado nas secreções dos sapos de Sonora desde 1967, o composto psicodélico natural permaneceu desconhecido até 2014. Naquele ano, diversos veículos midiáticos publicaram que o 5-MeO-DMT pode ser fumado quando seco, para produzir um “barato” rápido, porém intenso.
Em sua dissertação na Universidade de Wisconsin-Madison, a primeira autora, Anny Ortiz explica que esses relatos propagaram a falsa narrativa de uma suposta “medicina do sapo”, praticada por tribos indígenas do deserto de Sonora. A alegação não é sustentada por nenhuma evidência, diz a terapeuta clínica.
A busca pelo 5-MeO-DMT e o risco de extinção dos sapos

Em entrevista ao The New York Times, Anny Ortiz explica que “o abuso generalizado contra os sapos está criando um triplo golpe para a espécie”: exploração humana direta (coleta do veneno), destruição dos ambientes naturais e mudanças ambientais globais.
Diretora de terapias clínicas do Instituto Usona, nos EUA, uma ONG que pesquisa drogas psicodélicas para uso médico, Ortiz afirma: “em pouco mais de uma década, colocamos esta espécie em risco de extinção em nome da cura e da expansão da consciência”, denuncia.
Após apontado em pesquisas como benéfico para redução dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse, o 5-MeO-DMT acabou ganhando popularidade por meio de falsos xamãs e terapeutas clandestinos. Até “igrejas de sapos” surgiram em estados como Califórnia, Minnesota, Texas e Wisconsin.
O composto é considerado como substância controlada de Classe I nos EUA, o que significa que possui alto potencial de abuso, não tem uso médico aceito e é proibida para posse, venda ou uso, excesso em pesquisas autorizadas pelo governo norte-americano.
Contudo, alguns grupos religiosos conseguiram obter permissões legais para usar a substância, com base na chamada Lei de Restauração da Liberdade Religiosa, e sob a alegação de que o 5-MeO-DMT é um sacramento essencial para suas práticas religiosas.
A importância de proteger os sapos de Sonora

Para comprovar suas hipóteses de que os sapos do deserto de Sonora estão sob séria ameaça, Ortiz entrou em contato com Georgina Santos-Barrera, professora da Universidade Nacional Autônoma do México, para colaborar em uma avaliação de conservação.
De 2020 a 2024, ambas fizeram visitas noturnas e flagraram cerca de 400 sapos adultos e 2 mil jovens nos estados mexicanos de Sonora e Chihuahua. Além do desaparecimento de três populações, as pesquisadoras observaram que os sapos encontrados eram significativamente menores que os observados anteriormente.
Ao The New York Times, Santos-Barrera afirma: “Tenho certeza de que observaremos grandes problemas ecológicos” com esse declínio populacional. Isso porque, com a redução do número de sapos, os insetos que se alimentam de plantações não estão mais sendo controlados.
Tão logo a pesquisa seja publicada, as autoras pretendem solicitar que a UICN faça um ajuste no status de conservação do I. alvarius. A expectativa é que isso leve tanto os Estados Unidos quanto o México a declarar a espécie como ameaçada e conceder uma proteção nacional para esses anfíbios.
Ortiz defende esforços para desencorajar o uso do sapo do deserto de Sonora como fonte de 5-MeO-DMT. Para ela, o 5-MeO-DMT sintético, disponível em certas plantas, pode ser uma alternativa. No entanto, muitos profissionais afirmam que as secreções dos sapos são insubstituíveis, por serem naturais.
“Não há benefício adicional em usar secreções”, contesta Ortiz. A alegação de que o 5-MeO-DMT produzido pelo sapo conteria outros compostos químicos benéficos para a “viagem” com a droga não procede, segundo a especialista, pois são apenas cardiotoxinas, sem nenhuma ação no cérebro.
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