Comportamento de secretário de defesa do governo Trump revela tensões na alta cúpula militar americana Internacional, Casa Branca, Donald Trump, Pentágono, Pete Hegseth CNN Brasil
O secretário do Exército, Dan Driscoll, estava no cargo há apenas alguns dias antes de irritar seu novo chefe, o secretário de Defesa Pete Hegseth.
Driscoll, veterano do Exército e amigo pessoal de longa data do vice-presidente americano JD Vance, vinha apresentando ideias para levar Vance e o presidente dos Estados Unidos Donald Trump ao Pentágono — um evento que ele acreditava que elevaria o moral, dada a pompa e a circunstância que acompanham qualquer visita presidencial.
Trump demonstrou interesse na ideia, disseram duas pessoas familiarizadas com o assunto à CNN.
Hegseth, no entanto, considerou as propostas de Driscoll à Casa Branca como insubordinação, disseram as fontes. Trump era seu chefe, e Driscoll não deveria tê-lo ignorado e o prejudicado, disse Hegseth ao secretário do Exército ao saber dos planos.
Driscoll respondeu que essa não era sua intenção, e os dois — pelo menos externamente — seguiram em frente.
A desconfiança de Hegseth em relação a Driscoll é emblemática de sua fixação mais ampla em minar ou remover qualquer pessoa que ele perceba como uma ameaça a sua imagem pública e a sua relação com Trump, independentemente de sua experiência ou qualificação, disseram à CNN uma dúzia de autoridades atuais e ex-funcionários.
“Se Driscoll começar a ganhar destaque demais ou a ser muito favorecido, fica muito mais fácil, politicamente, simplesmente se livrar de Hegseth de alguma forma ou encontrar uma saída para ele”, disse uma das fontes.
Ameaças em potencial ao redor de Hegseth
Questionamentos sobre a longevidade de Hegseth no cargo surgiram praticamente desde o início de sua gestão.
E o nome de Dan Driscoll foi cada vez mais mencionado, inclusive dentro da Casa Branca, como um possível substituto para o cargo de secretário de Defesa após uma série de erros de alto nível cometidos por Hegseth — para grande irritação dele, segundo fontes.
As táticas de Hegseth podem ser implacáveis. Em abril, após uma série de vazamentos que, segundo ele, o prejudicaram, Hegseth demitiu três altos funcionários do Pentágono.
Dois deles eram amigos próximos que trabalharam com Hegseth por anos e os quais foram acusados publicamente de serem os responsáveis. Porém, essas acusações nunca foram comprovadas.
Hegseth também ameaçou altos funcionários do Pentágono, incluindo o então chefe interino do Estado-Maior Conjunto, almirante Chris Grady, com testes de polígrafo e investigações de vazamento.

Ele se recusou a aprovar a promoção do veterano do Exército, o tenente-general Doug Sims, que atuava como diretor do Estado-Maior Conjunto, por acreditar que estava vazando informações para prejudicá-lo e por ter sido muito próximo do general aposentado Mark Milley, um crítico ferrenho de Trump, segundo fontes.
Grady e Sims negaram as acusações, que não foram comprovadas. Sims deve se aposentar em breve.
Então, em junho, a ativista de direita Laura Loomer, que, segundo fontes da CNN, conhece Hegseth há mais de uma década e fala com ele regularmente, começou a atacar Dan Driscoll no X, acusando-o de se aproximar de “odiadores de Trump” por ter postado uma foto no X com o oficial aposentado do Exército dos EUA e atual membro democrata do Congresso, Eugene Vindman.
O irmão gêmeo do democrata, Alexander Vindman, foi uma testemunha-chave no processo de impeachment de Trump em 2019, relacionado aos seus negócios com a Ucrânia.
O Exército rapidamente removeu a publicação com Vindman, mas o estrago já estava feito.
“Levamos uma surra” por causa da Loomer, relembrou uma pessoa familiarizada com a conversa.
Relação entre Driscoll e Hegseth
A relação de trabalho entre Driscoll e Hegseth melhorou desde os primeiros dias do governo Trump — com os dois até mesmo passando tempo juntos em eventos sociais nas últimas semanas, disse uma fonte familiarizada com a dinâmica deles à CNN.
Mas, ao mesmo tempo, o desconforto de Hegseth com qualquer pessoa que ele perceba como um rival em potencial permanece em segundo plano, acrescentaram.
Em declaração à CNN, Hegseth negou qualquer tensão com Driscoll.
“Não é surpresa que pessoas que desconhecem a forte dinâmica entre o secretário do Exército Driscoll e eu estejam despejando mentiras na CNN sem mencionar seus nomes em suas declarações”, disse Hegseth.
“Como já disse antes, tenho total e completa confiança no Secretário Driscoll, e continuaremos trabalhando juntos para tornar nossas Forças Armadas letais novamente. Ele está fazendo um trabalho fantástico à frente do Exército dos EUA, e temos a sorte de contar com sua liderança América Primeiro.”
Driscoll também disse à CNN, em um comunicado, que se sente “honrado” por servir sob o comando de Hegseth e que qualquer sugestão em que sugira o contrário é “notícia falsa”.
“Sinto-me honrado em servir sob a liderança do Secretário Hegseth enquanto restauramos a força e a letalidade do Departamento de Guerra”, disse Driscoll. “Seu apoio tem sido vital na transformação do Exército. Nenhuma quantidade de cobertura da mídia nos distrairá do trabalho conjunto para defender o povo americano.”
Em declaração à CNN, um porta-voz da Casa Branca disse que era “totalmente falso insinuar que alguém na Casa Branca tenha menos do que uma confiança extraordinária tanto no Secretário Hegseth quanto no Secretário Driscoll”.
Guardiões e acordos de confidencialidade
Desde que assumiu o cargo, Hegseth demitiu ou afastou pelo menos 11 dos oficiais mais respeitados do exército e ordenou um corte de 20% no número de generais quatro estrelas na ativa, acusando a maioria deles de serem muito “conscientes”.
Enquanto isso, Hegseth se tornou cada vez mais isolado, disseram autoridades. Seu advogado pessoal, Tim Parlatore, agora está sentado em frente ao seu escritório — um guardião no sentido literal da palavra, disseram fontes.
E Hegseth ainda está nervoso com os próximos resultados de uma investigação do inspetor-geral do DoD (Departamento de Defesa, na sigla em inglês) sobre o uso do Signal, um aplicativo de mensagens não-oficial utilizado pelo governo dos EUA, para discutir informações confidenciais — cujas conclusões podem ser divulgadas nos próximos dias.
Suas prioridades também parecem especialmente equivocadas para algumas autoridades, dadas as várias crises que se desenrolam globalmente nos últimos tempos — desde ataques israelenses ao Catar e incursões de drones russos na Polônia até um possível confronto militar dos EUA com a Venezuela.
“Renomear o Departamento de Defesa para ‘Departamento de Guerra‘ não é o tipo de trabalho substancial que realmente muda as coisas aqui”, disse um funcionário do Pentágono, referindo-se à campanha de Hegseth para mudar o nome do departamento. “Ser um bom líder envolve muito mais do que apenas política.”

Em particular, alguns aliados de Trump afirmam que Hegseth está ciente de suas próprias deficiências na condução da burocracia do Pentágono e na supervisão da formulação de políticas eficazes
É por isso que ele concentrou intencionalmente a maior parte de sua energia nas mídias sociais e em questões mais superficiais, deixando tarefas mais substantivas para seus principais assessores.
“Ele não é burro”, disse uma fonte familiarizada com o estilo de gestão de Hegseth, acrescentando que o Secretário de Defesa de Trump prioriza as coisas que sabe que pode fazer, enquanto em grande parte delega a execução de políticas e decisões de combate a autoridades mais experientes.
Receios de Hegseth sobre vazamentos
As iniciativas internas mais populares de Hegseth ficaram fora do escopo das guerras culturais, disseram autoridades.
Por exemplo, vários oficiais e militares elogiaram uma política que ele revelou com o objetivo de reduzir a burocracia e acelerar os prazos para que as Forças Armadas produzissem milhares de drones de baixo custo.
Hegseth também lançou uma força-tarefa interagências no mês passado, dedicada ao desenvolvimento e aquisição de tecnologia antidrones — uma iniciativa que ele colocou Dan Driscoll no comando.
Outras políticas, no entanto, parecem derivar exclusivamente do próprio medo de Hegseth de vazamentos e, na verdade, dificultaram o trabalho das pessoas, disseram as fontes.
Por exemplo, como forma de evitar vazamentos, o gabinete de Hegseth implementou uma nova política no início deste ano. Tal política exige que funcionários do Pentágono em todas as Forças Armadas assinem acordos de confidencialidade antes de serem informados sobre projetos, iniciativas e outros produtos de trabalho, de acordo com um oficial de defesa e uma cópia do acordo vista pela CNN.
Trata-se de uma exigência altamente incomum que, segundo o funcionário, nunca foi exigida em administrações anteriores para as operações diárias do departamento, especialmente para assuntos que não são confidenciais.
Além de informações confidenciais, o NDA (Acordo de Não-Divulgação, na sigla em inglês) abrange qualquer material considerado “confidencial, sensível, para uso oficial exclusivo e informações controladas não confidenciais” e afirma que sua violação pode resultar em processo criminal.
A política tornou a comunicação com os colegas muito mais difícil, disse o funcionário, porque muitas vezes não fica claro quais funcionários, mesmo aqueles do mesmo escritório, têm ou não uma “necessidade explícita de saber” as informações cobertas por um determinado NDA.
Enquanto isso, o Congresso praticamente não tem envolvimento com Hegseth, disseram funcionários democratas e republicanos à CNN, o que limitou sua capacidade de supervisionar o Pentágono.
Seguindo o exemplo de Hegseth, autoridades do Departamento de Defesa em geral estão se envolvendo muito menos com o Congresso do que em governos anteriores, disseram eles.
“Quando você demite pessoas demais, elimina expertise suficiente das Forças Armadas e intimida gente o bastante ao ponto de silenciá-las, dá para se virar assim por um tempo, mas eventualmente pode chegar o momento em que as pessoas certas não estarão mais lá — e não haverá ninguém para tomar a melhor decisão para proteger vidas americanas ou evitar que militares sejam colocados em situações perigosas desnecessárias”, disse um assessor do Senado. “É empolgante destruir essas estruturas e forçar uma agenda, mas isso tem consequências.”
Um recente e sem precedentes ataque militar americano a um barco que o governo dos EUA acusou de transportar integrantes do Cartel de los Soles, por exemplo, não foi notificado aos legisladores com antecedência.
Em um briefing quase uma semana depois, autoridades de defesa se recusaram a informar aos legisladores que avaliaram a legalidade do ataque, disse uma fonte familiarizada com o assunto. Em vez disso, alegaram repetidamente que o presidente tem a autoridade inerente, nos termos do Artigo II da Constituição, para lançar tais ataques.
A conclusão, disse essa fonte, foi que a posição do Pentágono agora é que o presidente pode realizar “execuções extrajudiciais contra pessoas em qualquer lugar do mundo sem qualquer autoridade ou supervisão do Congresso”.
Um exército de “observadores”
O foco de Hegseth em sua própria imagem é evidente no número crescente de profissionais de relações públicas que ele contratou nos últimos meses, disseram autoridades.
Ele agora tem mais que o dobro de porta-vozes que seu antecessor tinha, e as principais tarefas desses profissionais parecem ser postar no X em apoio a Hegseth, produzir vídeos para ele e rastrear as mídias sociais em busca de quaisquer sinais de deslealdade ou descompasso com a imagem do secretário para o departamento, disseram autoridades.
Autoridades militares e civis de todas as Forças Armadas dizem que constantemente se sentem como se estivessem pisando em ovos por causa de um pequeno exército de “observadores” tanto dentro do escritório de Hegseth quanto no X. Muitas dizem abertamente que buscam “vitórias” para conseguir a demissão de pessoas.
Dois médicos militares foram alvo de campanhas de pressão online apenas nas últimas duas semanas. Em 29 de agosto, um veterano do Exército que se tornou podcaster conservador acusou publicamente, em uma postagem na rede X, uma coronel e médica do Exército de ser “uma ativista da ideologia transgênero”.
Horas depois, o podcaster publicou que a médica, uma coronel do Exército, havia sido destituída do comando. Ele agradeceu a Hegseth por tomar providências. O Exército se recusou a responder se ela havia sido, de fato, afastada, dizendo apenas que ela continua na ativa.
Na semana passada, o mesmo podcaster publicou sobre uma médica da Marinha que havia listado pronomes em sua página oficial no LinkedIn e se descrito como diretora médica adjunta para cuidados de saúde transgênero. A postagem foi amplificada pela conta de direita Libs of TikTok. Menos de 12 horas depois, Hegseth respondeu: “Pronomes ATUALIZADOS: Ela/Dela/Demitida.”
Não houve uma investigação antes da demissão, nem explicações sobre se a remoção estava relacionada a quaisquer preocupações sobre o desempenho no trabalho, disse uma autoridade familiarizada com a situação.
O podcaster Chase Spears e várias outras contas continuaram a pedir publicamente medidas contra vários outros oficiais e militares nos dias seguintes, frequentemente marcando Hegseth, as forças armadas e até mesmo o presidente Trump na tentativa de chamar a atenção deles.
Spears disse em uma longa publicação no X na terça-feira (9) que seus esforços visam principalmente erradicar a “ideologia transgênero” nas Forças Armadas.
Outras publicações compartilhadas por ele e outros também se concentraram na antiga obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19 nas Forças Armadas e em questões mais amplas de diversidade, equidade e inclusão.
O Exército tem sido um alvo particular da ira de Hegseth, disseram várias fontes, o que algumas autoridades acreditam ser resultado das suspeitas de Hegseth em relação a Driscoll. Hegseth também é o mais familiarizado com o Exército, tendo servido na Guarda Nacional do Exército por quase 20 anos.
“A tensão entre Hegseth e Driscoll se espalha para os estados-maiores”, disse uma das fontes. “Em particular, é como se dissessem: ‘Vamos encontrar todas as oportunidades possíveis para pressionar o Exército.’”
Grande parte da pressão se deve simplesmente à mensagem e à estética, uma prioridade máxima para Hegseth, especialista em TV.
O gabinete de Hegseth, por exemplo, “repreendeu” o Exército novamente quando a Guarda Nacional começou a se deslocar para Washington, D.C., porque oficiais do Exército buscavam enfatizar que a Guarda estava lá principalmente para ajudar em tarefas logísticas, disse a fonte.

Hegseth, em vez disso, queria que o Exército concentrasse sua mensagem pública na letalidade e na força das tropas — e, por fim, decidiu que elas também deveriam estar armadas, pois achava que pareciam fracas sem armas, disseram as fontes.
Desde então, muitos funcionários da Guarda Nacional foram incumbidos de projetos de “embelezamento” de Washington, D.C., como jardinagem e coleta de lixo.
Trump, por sua vez, continua apoiando Hegseth, que ele acredita ter a aparência ideal para liderar o “Departamento de Guerra”. Trump gosta de Driscoll, disseram fontes, mas ele não é um guerreiro cultural ferrenho como Hegseth — uma possível vulnerabilidade neste governo.
Ainda assim, um dos principais motivos pelos quais o secretário do Exército Dan Driscoll tem sido consistentemente apontado como possível substituto de Hegseth é que, como uma autoridade confirmada pelo Senado, ele não precisaria de uma nova audiência de confirmação — uma dor de cabeça que a Casa Branca queria evitar.
“Ele não é ameaçador, é charmoso, não é explosivo como Hegseth, ele é apenas o tipo de cara que só quer se dar bem”, disse uma das fontes sobre Driscoll. “Quanto melhor Driscoll estiver, pior para Hegseth.”