Os ministros da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começam nesta terça-feira (14/10) o julgamento que vai definir se condenam ou absolvem os sete réus acusados de propagar fake news como estratégia para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. Esse será o primeiro julgamento da tentativa de golpe de Estado sob a presidência de Flávio Dino na 1ª Turma e o segundo da trama golpista. Bolsonaro e mais sete já foram condenados pela Corte.
Segundo a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República (PGR), o grupo era responsável por disseminar desinformação – como supostas fraudes nas urnas eletrônicas – e difamar pessoas contrárias à tentativa de golpe, como o então comandante do Exército general Freire Gomes, que se posicionou contra a trama golpista.
Os sete são acusados dos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de estado e dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo à vítima e deterioração de patrimônio tombado. Nas alegações finais, a PGR também requereu que seja fixado valor mínimo para reparação dos danos.
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A sessão começará com a leitura do relatório — o resumo da ação penal — pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, responsável pela acusação, fará sua manifestação. Depois, a defesa de cada réu, em ordem alfabética, terá até uma hora para apresentar seus argumentos.
Após todas as manifestações, o relator apresenta seu voto pela condenação ou absolvição dos réus. Em seguida, votam os demais ministros em ordem crescente de antiguidade no Tribunal – do mais recente ao mais antigo e, por último, o presidente. Na 1ª Turma, a ordem será: Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. A decisão do colegiado será tomada por maioria ou unanimidade.
‘Promoção de instabilidade social’
Dos sete réus, cinco são militares e dois civis. Segundo a PGR, eles cuidavam das operações estratégicas de propagação de fake news. “Eles propagaram notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizaram ataques virtuais a instituições e autoridades que ameaçavam os interesses do grupo”, escreveu Gonet na denúncia.
“Todos estavam cientes do plano maior da organização e da eficácia de suas ações para a promoção de instabilidade social e consumação da ruptura institucional”, acrescentou o procurador.
Entre os réus está Marcelo Araújo Bormevet, policial federal que fazia parte da célula infiltrada na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), sob o comando de Alexandre Ramagem, para obter informações sobre opositores. Segundo a denúncia, o núcleo atuava como ‘central de contrainteligência da organização criminosa que, por meio dos recursos e ferramentas de pesquisa da Abin, produzia desinformação contra seus opositores’.
Bormevet cedeu sua senha ao subtenente do Exército Brasileiro Giancarlo Gomes Rodrigues, que foi diretamente responsável por 887 pesquisas no sistema de inteligência. À época, a Abin estava formalmente subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, chefiado pelo general Augusto Heleno, que, de acordo com a PGR, “tinha pleno domínio sobre as ações clandestinas realizadas pela célula”.
De acordo com a denúncia, nas anotações pessoais de Heleno foram encontrados registros sobre a utilização da estrutura da Abin para fins escusos. O manuscrito registrava, por exemplo: “Vicente Cândido (ex-deputado, PT). É o novo Vaccari. Abin está de olho nele” e também descrevia: “PF preparando uma sacanagem grande”.
Coube ao major reformado Ailton Gonçalves Moraes a tarefa de difamar os comandantes das Forças contrárias ao golpe, como o general Freire Gomes e o tenente-brigadeiro Baptista Junior, além de suas famílias. Entre as mensagens interceptadas pela Polícia Federal está uma conversa de Moraes com o general Braga Netto: “Se FG [Freire Gomes] tiver fora mesmo, será devidamente implodido e conhecerá o inferno astral’. Foi nesse momento que Braga Netto orientou Moraes a atacar o tenente-brigadeiro Baptista Junior e sua família: ‘Senta o pau no Baptista Junior (…) Traidor da pátria. Daí para frente, inferniza a vida dele e da família. Elogia o Garnier e fode o BJ”.
Os ataques orquestrados pelo general Braga Netto não se limitaram aos comandantes do Exército e da Aeronáutica. Em dezembro de 2022, o general enviou mensagem a Moraes mencionando o comandante do Comando Militar do Sudeste, general Tomás Paiva – atual comandante do Exército.
O major Ângelo Martins Denicoli e o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida tiveram papéis importantes na difusão de fake news contra as urnas eletrônicas. No arquivo denominado “Bom dia Presidente.docx”, é relatada a criação de um grupo técnico para desacreditar as urnas. O documento revela que um dos ajudantes era Denicoli – elo entre o grupo golpista e o influenciador argentino Fernando Cerimedo, que, durante uma transmissão ao vivo, anunciou a existência de um dossiê com supostas fraudes nas urnas.
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Com o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, a PF encontrou várias listas de transmissão em aplicativos de mensagens em que ele disseminava informações falsas sobre fatos relacionados à tentativa de golpe. Segundo a PGR, ele atuou “deliberadamente para burlar a ordem judicial de bloqueio do conteúdo falso sobre o sistema eleitoral brasileiro, disponibilizando o material produzido por Fernando Cerimedo em servidores localizados fora do país”.
Ainda de acordo com a PGR, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu participou da tentativa de manipulação do conteúdo do relatório das Forças Armadas sobre as urnas. As mensagens encontradas pela Polícia Federal demonstram que o militar atuou para “alinhar” o conteúdo do relatório com os dados falsos apresentados “pelo pessoal da Argentina” (em referência a Fernando Cerimedo), a fim de conferir-lhes “veracidade”. As investigações apontam que Abreu chegou a sugerir que Bolsonaro ‘fizesse uma reunião apenas com o grupo disposto a atuar à margem da legalidade e da moralidade, os que denominou de “rataria”’.
Outro denunciado é Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, que apresentou ‘fundamentos técnicos’ para embasar um pedido de nulidade das eleições de 2022.

