Está no Supremo Tribunal Federal (STF) uma decisão que pode impactar o mercado de apostas no Brasil. Sob a relatoria do ministro Nunes Marques, a ADPF 1212 questiona a constitucionalidade de leis e decretos municipais que criam loterias próprias, pleiteando suspensão imediata.
O imbróglio tem como base a Lei 14.790/2023, que excluiu os municípios da exploração da atividade econômica ao regulamentar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa. Acontece que, em 2020, o próprio STF, ao julgar as ADPFs 492 e 493, reconheceu que, embora a União tenha competência exclusiva para legislar sobre o sistema de consórcios e sorteios, isso não significa que estados e municípios estejam impedidos de explorar economicamente o serviço.
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Para além de garantir a preservação do pacto federativo, a manutenção das loterias municipais representa uma proteção à livre concorrência. Afinal, ao instituir uma outorga fixa de R$ 30 milhões para operadores da loteria federal, criou-se uma reserva de mercado artificial, concentrando-o nas mãos de poucos.
Permitir que municípios operem suas loterias é promover uma descentralização regulatória que prestigia a coexistência entre loterias federais, estaduais e locais. A diversidade de operadores amplia a concorrência, aumenta a fiscalização e, sobretudo, melhora a distribuição da arrecadação, ampliando as possibilidades para que os recursos obtidos sejam investidos em políticas públicas.
E não apenas os municípios se beneficiam. Estudo da Leme Consultoria mostra que a regularização do modelo de loterias municipais representa um incremento de receita de R$ 7,6 bilhões a R$ 34,7 bilhões para a União. Ou seja, um grande potencial de arrecadação para o governo. Além disso, a regulamentação das casas municipais inibe o mercado ilegal, pois a fiscalização passaria a ser dividida entre a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) – ou uma autarquia federal equivalente – e potenciais outros aparatos municipais.
O julgamento da ADPF é, portanto, mais do que uma questão jurídica — trata-se de uma oportunidade para repensar o modelo brasileiro de exploração das loterias. Uma das possibilidades, por exemplo, é a criação de um mecanismo de regulação proporcional. Inspirada em práticas adotadas nos setores financeiro e bancário, a ideia da proporcionalidade regulatória baseia-se na premissa de exigir mais de quem pode mais e menos de quem pode menos.
Ou seja, grandes empresas, com faturamento superior a um limite estabelecido, continuariam sob regulação federal. Já pequenas e médias empresas, com faturamento abaixo do limite seriam licenciadas por autoridades locais, respeitando diretrizes federais, mas com exigências adequadas ao seu porte.
O modelo ampliaria o número de operadores formais, incentivando a regularização de empresas hoje à margem do ambiente regulado. Ademais, a regulação proporcional poderia incluir instrumentos de controle e de compliance, aliados a certificações mínimas de segurança e proteção ao consumidor, garantindo o equilíbrio entre o desenvolvimento do setor e a integridade do mercado.
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A atuação dos municípios aperfeiçoaria a governança pública, aproximando as decisões regulatórias da realidade de cada região. A arrecadação de todos aumentaria, fazendo com que municípios menores pudessem ser beneficiados com o fortalecimento de suas economias e a criação de uma nova fonte de receita para investir em saúde, educação e infraestrutura.
Um ambiente regulado com proporcionalidade estimula o dinamismo econômico, atrai novos investimentos e promove inclusão. Ou seja, permitir a entrada dos municípios, com regras proporcionais, pode ser a chave para um sistema mais justo, eficiente e inclusivo. É hora de equilibrar o jogo e permitir que todos participem. Afinal, não é estrangulando a atividade econômica que vamos combater vícios, mas sim desenvolvendo uma regulação estratégica baseada em melhores práticas internacionais.