Em acórdão proferido em 19/02/2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou a possibilidade de aplicação concomitante das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa e Lei Anticorrupção. A controvérsia consistiu em saber se é possível a utilização conjunta da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção como fundamento – causa de pedir e pedidos – de uma única ação civil pública.
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O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP/RJ) ajuizou, em face da Federação das Empresas de Mobilidade do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) e outros réus, ação de responsabilização objetiva de pessoas jurídicas por atos contra a Administração Pública com fundamento na Lei Anticorrupção, cumulada com pretensão persecutória por atos de improbidade administrativa praticados por pessoas físicas e jurídicas com fundamento na Lei de Improbidade Administrativa. O MP/RJ acusa a Fetranspor de ter pagado propina ao ex-governador Luiz Fernando Pezão.
A Fetranspor ajuizou recurso especial em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), que concluiu que os mecanismos de combate à corrupção e improbidade administrativa são complementares. A federação argumentou que a aplicação de sanções de ambas as leis viola o princípio do non bis in idem e que tais leis possuem sanções similares, como multas e restrições de direitos, e tutelam o mesmo bem jurídico – a probidade administrativa e o combate à corrupção.
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O STJ concordou com o TJ/RJ e concluiu que ambas as leis possuem fundamentos e finalidades distintas, não caracterizando sobreposição de punições. O STJ ressaltou que o Pacto de San Jose da Costa Rica não se aplica às pessoas jurídicas, citando precedente do STF para embasar seu posicionamento.
Para o STJ, ainda que o Pacto fosse aplicável às pessoas jurídicas, o princípio do non bis in idem protege o sujeito de direito contra a repetição de processos (sucessivos) ou de punições de mesma natureza pelos mesmos fatos, mas não impede que diferentes leis com propósitos e com sanções distintas sejam utilizadas conjuntamente para fundamentar uma ação judicial. Contudo, ressaltou que as duas leis não podem ser empregadas para aplicar punições de mesma natureza e pelos mesmos fatos. Para a Corte, apenas na sentença é que caberá ao julgador impedir que as sanções eventualmente impostas não impliquem duplicação indevida.
Regras para corrupção e improbidade
A Lei Federal nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, surgiu em um contexto de crescente insatisfação com a impunidade das empresas envolvidas em escândalos de corrupção.
Quando a Lei Anticorrupção foi sancionada, houve intenso debate jurídico acerca da possibilidade de aplicação simultânea das sanções nela previstas com as sanções da Lei Federal nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que já estava vigente à época.
A Lei de Improbidade Administrativa busca coibir a prática de atos administrativos que causem prejuízo ao erário, resultem em enriquecimento ilícito ou atentem contra os princípios da administração pública. A Lei foca na conduta praticada pelo agente público, mas suas sanções são aplicáveis àqueles que, mesmo não sendo agentes públicos, induzam ou concorram dolosamente para a prática do ato de improbidade (art. 3º).
Em 2021, a Lei de Improbidade Administrativa foi alterada para vedar que suas sanções sejam aplicadas à pessoa jurídica que praticou ato de improbidade administrativa, caso tal ato seja também sancionado como ato lesivo à administração pública de que trata a Lei Anticorrupção (art. 3, §2). A regra teve o intuito de afastar o risco de duplicidade de punições (bis in idem), uma vez que os órgãos de controle poderiam interpretar que uma mesma empresa, ao praticar ato de improbidade também tipificado como ato de corrupção, poderia ser punida por ambas as leis.
Não obstante a alteração da Lei de Improbidade Administrativa, foi mantido o dispositivo do artigo 30, I da Lei Anticorrupção, que determina que a aplicação de sanções da Lei Anticorrupção não deve afetar a aplicação de penalidades decorrentes dos atos de improbidade administrativa.
O posicionamento da Corte é relevante, pois esclarece as disposições sobre tramitação simultânea de processos estabelecida na Lei de Improbidade Administrativa e Lei Anticorrupção. Com o entendimento, o STJ impede que uma mesma empresa seja punida com múltiplas sanções de um mesmo fato.
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Pelos termos do precedente, uma ação civil pública em face de uma empresa pode ser fundamentada tanto na Lei de Improbidade Administrativa quanto na Lei Anticorrupção. Contudo, o simples fato de a ação ser fundamentada em ambos os diplomas não significa que a empresa será penalizada com as mesmas sanções. Por exemplo, uma pessoa jurídica que comete ato de corrupção também enquadrado na Lei de Improbidade Administrativa não pode receber a mesma sanção de multa civil pelo mesmo fato, ou seja, o valor da multa não deve ser duplicado.
As empresas rés de processos judiciais deverão realizar um exercício atento durante todo o deslinde do processo judicial, antes que a sentença seja prolatada. É fundamental que o Poder Judiciário evite a dupla punição das empresas, de forma a garantir a segurança jurídica e a imposição de sanções razoáveis que não comprometam a saúde financeira das empresas punidas.
Referências
STJ. Recurso Especial nº 2107398 – RJ (2023/0386648-7). Acórdão disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202303866487&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea
Notícias do caso na imprensa
https://www.band.uol.com.br/bandnews-fm/rio-de-janeiro/noticias/stj-decide-prosseguir-com-acao-de-improbidade-contra-antiga-fetranspor-202503101719