O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não considera qualquer revisão da tarifa de 18% para importação do etanol como forma de negociação com os Estados Unidos acerca do Tarifaço de Donald Trump. O Brasil aplica a alíquota para países fora do Mercosul desde 2023.
Fontes do Ministério de Relações Exteriores disseram ao JOTA que, neste momento, o tema não está sendo negociado e o Brasil não tem interesse em mexer na taxa atual.
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A avaliação do Executivo é de que uma abertura maior para o etanol americano poderia ter impacto econômicos em regiões já estruturadas na produção de cana-de-açúcar, como o Nordeste e parte do Sudeste.
Além disso, pode frear um crescimento exponencial de investimentos no etanol de milho no Centro-Oeste. Em 2024, a produção do combustível através do milho representou 22% do volume total do etanol fabricado no Brasil.
Em nota assinada pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e a Bioenergia, as associações dizem estar confiantes de que o governo irá conduzir o processo com “equilíbrio e estratégia” para reconhecer a relevância econômica, social e ambiental da produção de etanol brasileiro.
Mas a realidade é que o cenário deixa o setor sucroenergético preocupado. De acordo com agentes do segmento, a entrada desenfreada do combustível estrangeiro poderia resultar em prejuízo econômico muito grande e também ambiental. Além de ter impacto relevante na cadeia produtiva brasileira, teria também reflexo ambiental, já que o combustível americano tem maior emissões de carbono em sua produção.
Agentes do segmento relatam que outros setores produtivos penalizados pelo Tarifaço têm incentivado o governo a usar a importação do etanol como moeda de troca nas negociações. O receio é que essa pressão mude a ideia do Executivo de, por enquanto, manter o cenário como está.
Os combustíveis fósseis, como petróleo, derivados e gás natural, entraram na relação de isenções de 694 produtos do Tarifaço americano, que determinou 40% de taxas adicionais aos 10% já havia sido anunciado.
O etanol não foi listado, assim como a maior parte dos produtos derivados de atividade agrícola – café, açúcar e carnes, por exemplo. Somado à alíquota já existente, o combustível deve ficar com uma tarifa de 52,5% para exportação aos Estados Unidos.
Exportação não preocupa setor brasileiro
Atualmente, há um superávit na relação comercial de etanol entre os países. Enquanto os EUA compraram 313, mil metros cúbicos de combustível brasileiro em 2024, o Brasil importou 110,6 metros cúbicos dos Estados Unidos no mesmo período. Segundo dados da Unica, a importação brasileira marca o ponto de menor volume em uma tendência de queda desde 2020.
O presidente da Bioenergia, Mário Campos, não vê com alarme a potencial redução nas exportações brasileiras. “O volume é muito pequeno e vai ser internalizado pela demanda do mercado brasileiro. Nossa produção já é voltada para o mercado interno”, explicou.
A maior diferença entre o mercado dos dois países no uso carburante de etanol está na mistura adicionada à gasolina, que nos EUA varia de 10% a 15%, enquanto o Brasil aprovou recentemente a adoção da mistura de 30% – que passou a valer nesta sexta (01) e terá impacto no consumo. No caso brasileiro, o etanol hidratado também é oferecido direto na bomba de abastecimento.
Campos entende que num futuro próximo o Brasil terá que se preocupar em acessar mercados internacionais, quando houver excedente exportável. Mas não é o momento. “Nosso foco ainda é o mercado interno. Em algum momento, em dois ou três anos, teremos que passar a olhar o mercado internacional”.
EUA visa mercado internacional
A disputa do combustível entre Estados Unidos e Brasil, o primeiro e segundo maior produtor de etanol do mundo, acumula anos. O governo americano tenta negociar uma redução da alíquota brasileira e, na gestão Trump, se tornou uma das suas prioridades.
Não é por uma questão ambiental — diferente da gestão de Joe Biden, que passou a incluir iniciativas para o etanol, como rotas de SAF (Sustainable Aviation Fuel), no pacote de subsídios do IRA (Inflation Reduction Act). Apesar do seu apoio à exploração de petróleo e gás, o setor de agricultura também faz parte da base eleitoral de Trump. Parte dela são estados do Cinturão do Milho, do qual o etanol americano é feito.
A preocupação mira, especialmente, o potencial crescente de exportação do biocombustível para o Brasil, que é o segundo maior mercado consumidor. Os EUA exportaram um volume recorde de 7,2 bilhões de litros em 2024 para países como Canadá, Colômbia, Coreia do Sul e União Europeia. Parte desses países, como Índia e Reino Unido, foram alvos de tarifas e negociaram com Trump condições para redução das alíquotas.
Com isso, a taxa sobre a exportação do etanol para o Brasil foi parar na investigação comercial da Seção 301, sob alegação de práticas desleais e dificuldade de acesso ao mercado. O desmatamento é um dos fatores usados para justificar, no documento americano, uma vantagem competitiva brasileira para produtos agrícolas.
A primeira cota tarifária foi criada no Brasil em 2017, com isenções de importação até uma determinada quantidade e cobrança de taxa adicional após atingir o teto. Mas o mecanismo acabou incentivando maior importação. No mesmo ano, foram importados 1,8 bilhões de metros cúbicos dos Estados Unidos. O Brasil restabeleceu a cobrança de 18% adicionais para a compra do combustível de países fora do Mercosul em 2023.