O tarifaço do presidente americano Donald Trump contra o Brasil tem se mostrado um tiro que saiu pela culatra, pelo menos à primeira vista. No entanto, os reais motivos por trás das tarifas podem ser ainda mais perigosos para a soberania brasileira e para a economia internacional do que se supõe.
Inicialmente previstas para entrar em vigor em 1º de agosto, as medidas protecionistas foram adiadas para esta quarta-feira (6/8) em decreto assinado pelo presidente americano em 30 de julho. Em mais um sinal de recuo, Trump agora diz que “ele [Lula] pode falar comigo quando ele quiser”, afirmou ao ser questionado pela reportagem da TV Globo.
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Com a publicação da lista de exceções de produtos que ficaram fora do tarifaço, o pacote de Trump ficou mais suave do que se imaginava. O resultado é que um total de quase 700 produtos não serão incluídos no aumento de tributação. Segundo levantamento da CNN, quase metade das exportações brasileiras aos Estados Unidos ficaram livres da tarifa adicional de 40% prometida pelo presidente americano.
Entre as exceções estão produtos como suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis, o que reduz o impacto sobre empregos e empresas no Brasil e diminui a inflação com a absorção de parte destes produtos que seriam exportados pelo mercado interno.
De acordo com estudo elaborado pela Universidade Federal de Minas Gerais, os EUA perderão mais que o Brasil com o tarifaço de Trump. A projeção feita pela UFMG estima que a economia americana pode encolher 0,37% com impactos que vão do encarecimento de alimentos ao risco de desabastecimento industrial, o que representaria uma retração equivalente a R$ 72,4 bilhões. Para o Brasil, a perda estimada é muito menor: 0,16% do PIB, ou cerca de R$ 2,6 bilhões.
O balanço final, portanto, parece ser ruim para Trump: os EUA perderão R$ 72 bilhões contra R$ 2 bilhões do Brasil; ele joga o Brasil e o mundo nos braços da China; fortalece os Brics ainda mais; enfraquece o dólar a longo prazo e desmoraliza os EUA como potência imperialista que tenta impor à força sua vontade.
Diante disso, o que explicaria as ações intempestivas do presidente americano? As motivações de Trump podem ser ainda mais escusas do que se supõe. Uma possibilidade que vem sendo levantada tanto nos EUA quanto no Brasil que justificaria as suas ações intempestivas é a de manipulação do mercado.
Técnicos do Banco Central identificaram operações de compra e venda de dólar pulverizadas e feitas por robôs na tarde do dia do anúncio das tarifas ao Brasil, o que pode indicar a prática criminosa de negociar com informação privilegiada (insider trading) para lucrar com as oscilações do valor do dólar frente ao real. O fato levou o ministro do STF Alexandre de Moraes a determinar a abertura de inquérito pela Procuradoria-Geral da República para investigar os indícios de crime.
Além disso, segundo levantamento feito pelo jornalista Jamil Chade, cresce a suspeita entre agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) de que a atuação de bolsonaristas não está sendo organizada por movimentos orgânicos dentro do país, mas fazem parte de um roteiro minuciosamente preparado pela Casa Branca com a participação da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA).
“Trata-se de um típico roteiro elaborado pela CIA, alimentando atores nacionais para justificar um interesse estratégico estrangeiro”, disse ao jornalista um agente da Abin no exterior.
O primeiro sinal de alerta seria a agressividade das ações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), atualmente de licença do seu mandato nos EUA. Seus crimes de lesa-pátria incluem não apenas as notórias ações contra a economia nacional, mas também os desafios impostos às competências constitucionais da Polícia Federal, do STF e até mesmo do Congresso, que reluta em cassar seu mandato.
A segunda suspeita se refere à agressividade das próprias ações de Trump, que reservou ao Brasil as tarifas mais elevadas e a mais dura retórica. “A palavra-chave é desestabilização”, afirmou um experiente agente do serviço de inteligência nacional. Enfraquecer um governo num país rachado e, assim, preparar o terreno para que, em 2026, os EUA contem com um aliado de peso no mundo emergente estimulando a volta da extrema direita ao poder.
Segundo esses agentes, o novo governo Trump estaria criando a retórica de que as sanções são feitas não para atender aos interesses estratégicos americanos, mas para “defender” os brasileiros e a “liberdade no Brasil”.
O espantalho usado é o clã Bolsonaro e o roteiro contaria com todos os ingredientes necessários para a construção de um discurso necessário a uma ação. Há um grupo de “exilados” — como Eduardo Bolsonaro, Allan dos Santos e Paulo Figueiredo — um “injustiçado” que é “amado pelo povo” — o ex-presidente Jair Bolsonaro — e um regime supostamente ditatorial, nas figuras do ministro Alexandre de Moraes e do presidente Lula.
Esse tipo de intervenção insere-se no contexto da chamada “guerra híbrida” no mundo, sendo esta entendida como a eliminação da fronteira entre política e guerra com a utilização de táticas de inteligência para desestabilizar regimes políticos de países de interesse de potências mundiais como EUA e Rússia.
De acordo com o analista de geopolítica Andrew Korybko, autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes, esse tipo de conflito é o epítome das guerras de 4ª geração. Para que sejam bem-sucedidas, “basta semear o caos e criar forças centrípetas que por si só ameacem dilacerar uma sociedade alvo. Ela não precisa derrubar um governo em si para dar certo – tudo que precisa é fazer com que a sociedade se divida, e a incerteza em larga escala, arauto do caos social, faz o resto”.
William Lind, historiador americano, previu que a próxima geração de guerras seria mais fluida, descentralizada e assimétrica do que as do passado e com maior ênfase na batalha informacional e em operações psicológicas. Segundo ele, “as operações psicológicas podem se tornar a arma operacional e estratégica dominante assumindo a forma de intervenção midiática/informativa”.
A noção de “operações psicológicas” possui papel fundamental dentro das guerras híbridas. Segundo o Manual de Operações Psicológicas do Exército Brasileiro, tais operações são entendidas como “o conjunto de ações de qualquer natureza, destinadas a influir nas emoções, nas atitudes e nas opiniões de um grupo social, com a finalidade de obter comportamentos predeterminados”.
Há evidências, portanto, que levam a crer que os EUA pretendem assumir um papel ainda mais imperialista no mundo, especialmente no Brasil, considerado “seu quintal” e país estratégico dentro da economia regional e global. Diante dos fatos recentes, que incluem até a exibição explícita no Congresso da bandeira de Trump por políticos da extrema direita brasileira, não seria uma surpresa descobrir que as ações de políticos bolsonaristas estariam a serviço de um projeto americano de poder contra o Brasil.