A Portaria TCU 106 reconheceu o Tribunal de Contas da União como Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT). A medida causa curiosidade quando buscamos compreender a legislação pertinente.
Por um lado, o exercício do controle, sobretudo através das auditorias de políticas públicas, demanda ferramentas e metodologias complexas, muitas vezes apoiadas por soluções tecnológicas. Além disso, o TCU exerce um papel de apoio técnico a outros tribunais e de produção de conhecimento no campo.
Não há dúvida de que essa atuação envolve pesquisa. Mas seria esse o conceito de pesquisa abarcado pelo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação? A leitura das normas nos leva a crer que não.
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As ICTs estão previstas na Lei 10.973/2004. São órgãos ou entidades da Administração Pública direta ou indireta, ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, que incluam em sua missão institucional a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos.
A criação desta figura jurídica faz parte de um movimento normativo de incentivo ao desenvolvimento e competitividade tecnológica. As ICTs têm sua atuação ligada a instrumentos como acordos de PD&I, registro de patentes, cooperação com empresas, concessão de bolsas, estímulos ao inventor independente, etc.
Dentre as obrigações de uma ICT pública está, por exemplo, a instituição de uma política de inovação, dispondo sobre transferência de tecnologia e geração de inovação no ambiente produtivo, em consonância com a política nacional de ciência, tecnologia e inovação e com a política industrial e tecnológica (Lei 10.073/2004, artigo 15-A). Não se parece em nada com as atividades de um órgão de controle.
Em 2022, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, identificando ruídos na compreensão do que é uma ICT, publicou um “Guia de caracterização de entidades como ICT, nos termos do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação”. O material fala de entes importantes para o ambiente da ciência, mas que cumprem outras funções. É o caso das agências de fomento, agências reguladoras e órgãos de controle.
Há previsão sobre o TCU: “Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), como agentes reguladores do sistema, identificando melhores práticas e sugerindo ou corrigindo condutas de atuação dos órgãos públicos na interação ICT – empresa”.
Apesar do esforço ministerial de classificação dos agentes e suas funções, o TCU se autodenominou ICT. Pode parecer uma questão conceitual menor, mas é um exemplo das múltiplas personalidades de nosso órgão de controle de contas. A definição constitucional não dá mais conta da realidade. Ao passo que a realidade, em muitos casos, parece inconstitucional.
Seria uma contribuição mais relevante ao ambiente produtivo das ICTs que o TCU, ao invés de se tornar uma delas, reforçasse, em sua jurisprudência e comunicação, a simplificação de procedimentos para gestão dos projetos de ciência, tecnologia e inovação e o controle por resultados, como preconiza o marco legal.