A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) concedeu liminar, por maioria, para liberar o passaporte de um cineasta cuja apreensão foi determinada como medida coercitiva atípica pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), no Rio de Janeiro.
A profissão exercida por ele e o fato de residir no exterior, nos Estados Unidos, foram pontos centrais da decisão. Outro fator decisivo foi uma decisão recente no processo de origem que determinou que o cineasta e outros ex-sócios da empresa devedora fossem excluídos da execução, em atendimento a um pedido de exceção de pré-executividade.
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Houve ainda um intenso debate entre os ministros sobre a fundamentação utilizada pelo juízo para determinar a apreensão. Para uma parte do colegiado não houve apresentação de uma justificativa, sendo a decisão pautada somente na possibilidade de aplicação da medida atípica. Já para outra, a fundamentação dada foi suficiente e o contexto presente nos autos aparou a medida. Apesar da discussão, devido ao caráter peculiar do caso, foi decidido que ele não deveria ser usado para originar uma tese sobre o assunto.
Prevaleceu o entendimento da ministra Morgana de Almeida Richa. Ao votar, Richa afirmou que a realização de viagens internacionais faz parte inerente do trabalho do cineasta, logo não caberia a apreensão do passaporte. Observou ainda que a decisão que determinou a apreensão somente se fundamentou na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 5941, que validou o uso de medidas atípicas, sem examinar a proporcionalidade da medida frente à realidade do executado, nem constatar evidência de má-fé em sua atuação com intuito de frustrar o adimplemento da dívida.
A ministra acrescentou que em abril deste ano, após o ajuizamento do HC, foi dada decisão no processo original que determinou a exclusão do cineasta do polo passivo. Ressaltou ainda que, segundo os autos, o pedido de instauração do incidente de despersonalização da pessoa jurídica que levou a inclusão havia sido realizado somente por edital, não sendo presumível sequer que ele tivesse ciência das execuções antes de ter o passaporte apreendido.
A ministra expressou sua tendência de interpretar que, em sede de habeas corpus (assim como em mandado de segurança), seria “duvidoso poder adentrar ao processo para buscar elementos”, sinalizando que sua análise se restringiria à fundamentação expressa do ato impugnado.
Richa foi acompanhada pelos ministros Liana Chaib, Douglas Alencar Rodrigues e Amaury Rodrigues Pinto Junior. Outros três ministros também acompanharam a relatora, mas com ressalvas de entendimento.
O ministro Maurício Godinho Delgado afirmou que, em sua interpretação, a justificativa utilizada pelo juízo ao determinar a apreensão foi suficiente. Para o ministro, a fundamentação se deu pela adequação ao caso e pela necessidade de oportunidade. Godinho ressaltou que a execução em questão já dura 24 anos.
Já a ministra Maria Helena Mallmann afirmou que somente concordou com a devolução do passaporte devido a apreensão impedir que o cineasta retornasse para sua residência, nos Estados Unidos, em violação ao artigo 5º, inciso LVII, da Constituição. Acrescentou, em sua análise, que o julgamento de processos como esse deve ser “caso a caso”.
O ministro Vieira de Mello Filho, por sua vez, disse que acompanhou devido à constatação de que houve uma questão processual grave no caso sob análise, no qual não houve intimação do cineasta no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ). O ministro pontuou, porém, que, diferente da relatora, entendeu que houve fundamentação da apreensão e que se não fosse a peculiaridade esse seria um caso típico de apreensão de passaporte. Acrescentou ainda que, em sua visão, caberia ao devedor comprovar suas alegações, ao se insurgir quanto à medida coercitiva, de modo a evidenciar para o juízo a possibilidade de medidas típicas e desnecessidade da medida coercitiva.
O ministro Luiz José Dezena da Silva, por outro lado, abriu divergência. Para ele, os autos continham elementos suficientes para demonstrar que o cineasta estava ocultando patrimônio. Ele votou por negar a liminar e manter o passaporte apreendido.
Dezena foi acompanhado pelo ministro Sérgio Pinto Martins, que endossou que, em sua interpretação, a ordem de apreensão estava ponderada em juízo de adequação, necessidade e proporcionalidade diante das provas existentes nos autos, nos quais ficou registrado o insucesso na busca do patrimônio da empresa executada, que teve falência decretada, assim como na busca por patrimônio do cineasta. Martins pontuou ainda que o ex-sócio, de acordo com os autos, não demonstrou a menor intenção de pagar a dívida trabalhista.
O advogado trabalhista Luiz Eduardo Amaral, sócio do FAS Advogados, que atuou na medida que anulou a execução destaca que aos poucos o TST começa a balizar a aplicação dessa medida tão restritiva e atípica. “Importante que os ministros reconheçam que há diferença entre devedores, que as instâncias inferiores só podem utilizar a medida depois de esgotados os outros meios menos gravosos da execução e que se o executado depende da CNH ou do passaporte para exercer a sua profissão, a apreensão desses documentos é indevida”, diz