Combater as extremas desigualdades sociais que marcam a sociedade brasileira passa, necessariamente, pela justiça tributária. Para além de arrecadar fundos que financiem a ação governamental, a tributação deve ser instrumento da política social, atenuando as grandes diferenças econômicas entre pessoas, grupos e regiões. Ideal que está longe da política fiscal adotada pelo Brasil, que exige proporcionalmente mais da base e do miolo da pirâmide social que do seu topo, tanto nos tributos diretos como nos indiretos.
O PL 1087/2025 representa um singelo, mas importante passo, para a alteração dessa realidade. O projeto prevê isenção do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem ganha até R$ 5.000 mensais e reduz parcialmente o imposto para aqueles que recebem até R$ 7.350, conforme nova versão substitutiva SBT-A 1, aprovada, às vésperas do recesso parlamentar, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
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Com a retomada das atividades do Congresso Nacional, após o período de recesso, há expectativa de que avance a tramitação dessa proposta, que será apreciada e votada no plenário da Câmara, seguindo para o Senado. Mesmo compreendendo seus limites, a população espera que a norma jurídica aprovada mantenha as alterações substantivas previstas na versão original do PL 1087/2025 e no atual substitutivo aprovado pela Comissão Especial da Câmara, quais sejam, a isenção/redução do tributo para a base e o miolo da pirâmide e a taxação mínima do topo.
Compreendemos, como fato positivo, que deve ser mantido na norma final, a ampliação do limite de isenção para R$ 5.000 e a extensão dos beneficiados com a redução do imposto, para os trabalhadores que auferem rendimentos brutos mensais de até R$ 7.350. Essa medida permite corrigir, em parte, a tabela do IR — que segue sem atualização real desde 1996, o que traz prejuízos ao conjunto da população, afetando diretamente os trabalhadores de rendimentos mensais baixo e médio-baixo.
Evidente que há espaço para melhorias. Para isso, o Congresso tem a alternativa de considerar a proposta de alteração do PL 1087 apresentada pelo Sindifisco Nacional, que prevê uma atualização mais adequada da tabela, estendendo a devida correção de forma gradual para toda a pirâmide tributária.
A proposta do sindicato amplia o número de beneficiários da “reforma” para o universo dos trabalhadores, alcançando categorias com rendimentos típicos da classe média formal, como os professores, servidores públicos e bancários, trabalhadores qualificados e assalariados de setores públicos e privados organizados, que passariam também a ser contemplados com alívio tributário efetivo.
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Outro aspecto positivo do substitutivo aprovado é a instituição de uma alíquota mínima de 10% sobre as altas rendas, incluindo lucros e dividendos, que estavam desde 1966 isentos do Imposto de Renda, regra ultrapassada em relação ao contexto internacional. No entanto, é importante avançar ainda mais, elevando esse patamar de tributação. Na proposta do Sindifisco, a alíquota prevista foi de 15%, o que está mais alinhado com o que é praticado pelos países da OCDE.
No entanto, na contramão dos avanços, está a perpetuação de privilégios para setores que detém poder econômico e político no país. É o caso do agronegócio. O substitutivo da Comissão Especial da Câmara mantém de forma explícita o regime que protege a atividade rural e os ganhos decorrentes de investimentos em fundos do agronegócio.
Outro ponto importante é que, como está largamente documentado na literatura científica, as mulheres negras, especialmente, mas também as brancas, e os homens negros são os mais prejudicados pelo vigente sistema de tributação brasileiro.
Nesse sentido, a Oxfam Brasil e o Instituto Peregum apresentaram proposta de alteração do PL 1087, para que a avaliação dos impactos do IRPF ali prevista considerasse os marcadores de gênero e raça. Como as propostas do Sindifisco Nacional, essa também conta com amplo apoio popular e de organizações da sociedade civil; apesar disso, não ecoaram na Comissão Especial. A esperança é que ambas sejam acolhidas por parlamentares das duas Casas.
Grave também foi a maneira como a discussão se deu naquela Comissão, à margem do debate público. Com reduzido número de audiências públicas e pouca escuta da sociedade civil, o PL 1087 avançou alheio à participação popular, em processo que alijou os principais interessados na justiça fiscal. É inaceitável que um tema com impacto direto na vida de milhões seja tratado a portas fechadas, num processo opaco e excludente. É um quadro que, ainda, pode mudar com o caminhar da tramitação da proposta.
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A versão SBT-A 1, aprovada na referida comissão, é um avanço, mas ainda há pontos de atenção, princípios e critérios que devem ser observados para alcançarmos uma tributação que não reforce as disparidades econômicas do país. Ainda há tempo, excelentíssimas e excelentíssimos parlamentares!
É preciso romper com a prática vigente de tributar pouco quem mais tem, quem acumula patrimônio e renda por múltiplas gerações, e penalizar os que vivem do próprio trabalho. A tributação mais justa é um caminho que deve ser trilhado na busca de uma vida mais digna a todos.