Dispõe a Constituição Federal de 1988 que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
A realização de concurso público é instrumento de efetivação dos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, por meio do qual: (a) aferem-se aptidões necessárias aos ocupantes de cargos e empregos públicos na administração pública; (b) privilegia-se o sistema de mérito; (c) proporciona-se aos interessados participarem do certame em igualdade de condições; (d) selecionam-se os candidatos mais aptos a firmarem a relação jurídica estatutária ou laboral conforme o vínculo a ser encetado; e (e) afasta-se a prática ilegítima do nepotismo.
Parte da presunção de que o servidor de carreira preenche, pela independência e profissionalismo na defesa do interesse público, a necessidade do administrador de encontrar proficiência na realização de seus fins, sendo despiciendo a procura de terceiros fora do quadro dos servidores efetivados por concurso quando o princípio republicano requer a participação ativa e engajada de todos os cidadãos nos assuntos públicos.
Raquel Carvalho[1] ensina que:
Não só em cumprimento à regra do inciso II do artigo 37 da CR, entende-se que o concurso público consubstancia a melhor forma de recrutamento de agentes. Afinal, trata-se de um espaço aberto à sociedade que viabiliza integração nos quadros do Estado, donde se conclui tratar-se de um instrumento de concretização do princípio democrático. Malgrado a pouca disponibilidade governamental de os realizar contemporaneamente, é certo que concursos admitem a inserção de novos atores sociais que podem ser provenientes da classe média ou das camadas mais pobres da população, o que resulta em mobilidade social pelo critério merecimento. Importante sublinhar que o concurso viabiliza a participação dos cidadãos na expressão da vontade pública, o que torna realidade na própria estrutura do Estado a multiplicidade típica do mundo pós-moderno.
Ademais, esse procedimento exclui critérios subjetivos irrelevantes para a Administração e enseja que sejam privilegiados elementos objetivos com base em que o Poder Público selecionará o profissional que de fato é capaz de atender as necessidades estatais. A jurisprudência vem advertindo que “O concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica dos interessados em ocupar funções públicas, e no aspecto seletivo, são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento”.[1]
Com isso, reduzem-se os riscos de discriminações ilícitas, dos apadrinhamentos clientelistas que ocorrem através de indicações exclusivamente políticas. Combate-se a cultura do empreguismo e do exercício de cargo como um favor que merece retribuição política. Rompe-se com o risco de alta rotatividade no quadro de pessoal que precisa de continuidade técnica no exercício de atividades permanentes que exigem memória e competência adquirida pelo exercício. Busca-se uma blindagem em face dos chamados “trens da alegria”, ainda comuns na realidade administrativa contemporânea. Evitam-se critérios desproporcionais que significam favores e privilégios de alguns interessados em desfavor de outros candidatos, muitas vezes mais capacitados para o exercício da função pública. Quando se assegura competitividade efetiva em um procedimento idôneo, permite-se que a escolha da Administração se dê conforme o paradigma do mérito, com apuração objetiva do merecimento.
Nesse contexto, a igualdade real deixa de ser um discurso teórico e se torna uma norma concretizável no cotidiano jurídico do Estado. É Adilson Abreu Dallari quem pontua:
“O concurso público somente interessa aos fracos, aos desprotegidos, àqueles que não contam com o amparo dos poderosos capazes de conseguir cargos ou empregos sem maiores esforços. A realização de concursos públicos sempre terá uma forte oposição daqueles que dispõem de meios para prover cargos e funções por outros meios”.
Sob essa perspectiva, o concurso público não apenas densifica, mas concretiza princípios como a moralidade, igualdade, eficiência e impessoalidade, na medida em que instala uma disputa aberta aos interessados que preencham as condições mínimas ao exercício da função estatal. Nessa competição, o objetivo é afastar pessoas despreparadas e admitir a integração daqueles profissionais que demonstram melhores condições para a atividade administrativa. Para tanto, o Estado avalia o conhecimento dos candidatos e suas aptidões pessoais, de modo a selecionar aqueles que podem melhor exercer as competências públicas.
Nesse contexto, o concurso público surge como o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e empregos públicos. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação.
No âmbito das organizações públicas existem as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo (art. 37, inciso V, da Constituição Federal) e os cargos em comissão, os quais podem ser preenchidos por servidores que já detenham cargos efetivos de carreira, de acordo com percentuais estabelecidos na respectiva lei de criação.
Art. 37 […] V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
Significa, pois, que os cargos em comissão devem ser ocupados por um percentual mínimo legal de servidores de carreira, podendo-se preencher as vagas restantes por pessoas sem vínculo definitivo com a administração pública.
As funções de confiança e os cargos em comissão devem ser criados por lei e se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento na administração pública e são, respectivamente, preenchidos ou exercidos mediante livre nomeação pela autoridade competente, na contrapartida das respectivas livres exoneração e dispensa, a qualquer tempo (ad nutum), seja a pedido, seja de ofício, pela mesma autoridade que nomeou.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou sua jurisprudência dominante no sentido de que a criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais. O tema, objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1041210, teve repercussão geral reconhecida e julgamento de mérito no plenário virtual.
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: a) a criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.
Funções de confiança e cargos em comissão, ao lado de servidores e empregados públicos, integram o capital humano de toda organização pública, constituindo o seu principal ativo. É ele (o capital humano) que detém o conhecimento institucional e determina a qualidade dos serviços prestados.
O Código Penal, em seu art. 328, tipifica a conduta de usurpar o exercício de função pública com a sanção de detenção, de três meses a dois anos, e multa. Se do fato o agente aufere vantagem a sanção é de reclusão, de dois a cinco anos, cumulada com multa a ser arbitrada pelo juiz.
Art. 328 – Usurpar o exercício de função pública:
Pena – detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único – Se do fato o agente aufere vantagem:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Quando uma pessoa, sem vínculo com a administração pública, mormente aquela que não foi designada para o exercício de direção, chefia e assessoramento na administração pública, leia-se cargo em comissão, assume e realiza atos inerentes às atribuições de cargo público, agindo com a vontade livre e consciente com vistas a usurpar função pública, pratica o tipo penal previsto no citado art. 328. Usurpar significa apossar-se sem ter direito. Usurpar a função pública é, portanto, exercer ou praticar ato de uma função que não lhe é devida. O crime é consumado com a prática do ato, independente do resultado, ou seja, não importando se o exercício da função usurpada é gratuito ou oneroso. Admite-se a tentativa do crime, desde que haja uma vertente de intenção de lucro qualquer ou prestígio do agente ativo do delito.
Outra impropriedade relacionada ao exercício de atribuições no âmbito da administração pública refere-se ao desvio de função. O edital de abertura do concurso público, que é considerado a lei do certame, descreve a habilitação exigida para o exercício dos cargos e as atribuições correspondentes. Contudo, nem sempre o aprovado é designado para exercer as atividades legalmente previstas para o cargo que assume. Nessa hipótese, configura-se o desvio de função.
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O administrador público deve agir de acordo com o que estiver expresso em lei, devendo designar cada servidor para exercer as atividades que correspondam àquelas legalmente previstas. Apenas em circunstâncias excepcionais previstas em lei poderá o servidor público desempenhar atividade diversa daquela pertinente ao seu cargo.
Assentou o Tribunal de Contas da União (TCU) que a utilização de servidores cedidos em desacordo com o princípio da impessoalidade ou eivada por desvio de função e ocupação indevida de cargo efetivo caracteriza grave infração à norma legal ou regulamentar, sujeitando os responsáveis à multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992. (Acórdão 3149/2019 – Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, Processo 029.322/2017-0).
O desvio de função produz efeitos jurídicos e ônus para o Estado. Apesar de o agente público não poder ser promovido ou reenquadrado no cargo que ocupa em desvio de função, tem ele direito a receber diferença salarial pelo desempenho das funções exercidas. É o que estabelece a Súmula 378 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo teor reproduz-se: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”.
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[1] CARVALHO, Raquel. Concurso público: importância, execução indireta e artigo 24, XIII, da Lei 8.666 Ou … Como escolher parasitas. Disponível em: http://raquelcarvalho.com.br/2020/02/12/concurso-publico-importancia-execucao-indireta-e-artigo-24-xiii-da-lei-8-666/.