Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade de votos, validaram nesta quinta-feira (16/10) a liminar do relator Flávio Dino para permitir que valores oriundos de condenações em ações civis públicas trabalhistas sejam preferencialmente enviados ao Fundo dos Direitos Difusos (FDD) e ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Ainda, o dinheiro repassado a esses fundos fica descontingenciado, ou seja, o recurso não pode ser retido para cumprir a meta anual de resultado primário.
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Os ministros também concordaram que os valores podem, de forma excepcional, ser destinados para outras entidades públicas e privadas, desde que a escolha seja motivada e siga as regras da resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A destinação deve contar com transparência e prestação de contas.
A possibilidade de usar o dinheiro também por entidades públicas e privadas foi o ponto de maior discussão entre os ministros. O ministro Dias Toffoli chegou a rejeitar a possibilidade e divergiu neste tópico do relator, o ministro Flávio Dino. A preocupação entre os ministros era o mau uso do dinheiro público, como ocorreu com os valores dos acordos firmados durante a Operação Lava-Jato. Os ministros Gilmar Mendes e Cristiano Zanin também fizeram essa reflexão.
Contudo, o colegiado chegou a um acordo e trocou o termo “alternativamente” proposto por Dino por “excepcionalmente”, conforme sugestão do ministro Alexandre de Moraes. Para Moraes, é possível uma interpretação conciliatória dos artigos 11 e 13 da Lei das Ações Civis Públicas (ACPs), que diz que a regra geral é que todas as condenações pecuniárias revertam a fundos públicos, mas há excepcionalidades na obrigação de fazer ou de não fazer para cessar a atividade lesiva.
“Tem que ficar bem clara a excepcionalidade e a supervisão pelo CNJ e CNMP para evitar que entidades privadas usem sabe-se lá como esses recursos”, ponderou Toffoli.
Em um primeiro momento, Dino tinha sugerido que os conselhos do FAT e do FDD consultassem o Tribunal Superior do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego e a Procuradoria Geral do Trabalho para a aplicação dos recursos. Mas a possibilidade foi retirada da liminar levada a referendo.
A liminar foi proferida na ação ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A entidade empresarial pede a inconstitucionalidade das decisões, sentenças e acórdãos proferidos pela Justiça do Trabalho em ações civis públicas, nos quais, ao invés de se determinar o recolhimento de condenações em dinheiro para fundos públicos constituídos por lei, como o FAT ou o FDD, foi ordenada a destinação para outros fins, como doações diretas para entidades públicas e/ou privadas.
A tese completa:
a. As condenações em Ações Civis Públicas trabalhistas por danos transindividuais devem ser direcionadas para:
FDD (Fundos de Direitos Difusos), ou para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), ou
excepcionalmente e de forma motivada, nos termos do artigo 4º da Resolução conjunta 10 CNJ/CNMP, devem observar os procedimentos e medidas, inclusive de transparência na prestação de contas, com o direcionamento dos valores para reparação ou compensação diretamente relacionados com o bem jurídico lesado.
Nesta hipótese, o magistrado ou membro do MP deverá comunicar ao CNJ e ao CNMP.
b. Os fundos mencionados devem individualizar com transparência e rastreabilidade os valores recebidos a partir de decisões em ACP trabalhistas ou em acordos, e esses valores devem ser aplicados exclusivamente em programas e projetos relacionados à proteção dos direitos dos trabalhadores.
c. Todos os recursos atualmente existentes no FDD ou no FAT que tenham tido a origem concernente ao objeto desta ADPF ou futuros aportes não poderão ser alvo de qualquer espécie de contingenciamento, tendo esta decisão efeitos ex-tunc.
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Repercussão
A posição convergente do STF reflete o que a maioria dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) já aplicava, segundo o advogado Michel Berruezo, diretor de contencioso trabalhista no Pellegrina e Monteiro. “A medida traz maior transparência e previsibilidade para a destinação das indenizações, permitindo o acompanhamento e gestão pelos Tribunais de Contas”.
Em paralelo, afirma que a “inovação” trazida pelo STF, no sentido de não contingenciamento, garante a destinação imediata das despesas, sem que os fundos se tornem “negócios” ou verdadeiros financiamentos públicos.
“A meu ver, isso atende o princípio da moralidade pública que rege a destinação de recursos pelos entes públicos, evitando favoritismos ou impulsionamento de agendas de um ou outro procurador do trabalho, em prol da coletividade”, diz.
A medida do STF também se assemelha a recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no sentido de reforçar a destinação social dos valores provenientes de indenizações por dano moral coletivo, segundo a advogada Carolina Cabral, do escritório Ferraz dos Passos Advocacia.
A decisão, apesar de permitir certa flexibilidade ao procedimento legalmente previsto, abrindo espaço para a destinação nos termos da Resolução Conjunta n.º 10/2024, deixa expresso que se trata de exceção, que apenas se convalida de forma fundamentada, segundo o diretor Jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Vitorino.
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“Nesse sentido, em grande medida, o referendo atende às preocupações expressadas pela CNI na petição inicial, que defende a impessoalidade e a obrigatória participação da sociedade na definição da destinação desses valores”, afirma. “Esperamos que a Justiça do Trabalho tenha comedimento na aplicação da exceção, sob pena de subverter a lógica que justificou a decisão unânime do Supremo”, acrescenta Vitorino.

