Ex-ajudante de ordens e ex-ministro no governo Bolsonaro ficaram frente a frente para prestar explicações ao Supremo sobre versões conflituosas de depoimentos Política, interrogatório Mauro Cid, Mauro Cid, STF (Supremo Tribunal Federal), Walter Souza Braga Netto CNN Brasil
Em uma audiência privada no STF (Supremo Tribunal Federal), o tenente-coronel Mauro Cid e o general Walter Braga Netto explicaram frente a frente pontos considerados contraditórios pela Justiça.
Ambos são réus em um processo criminal que apura uma tentativa de golpe de Estado no país após as eleições de 2022.
Conhecido como acareação, o procedimento durou cerca de uma hora e meia, sendo mediado pelo ministro e relator do caso, Alexandre de Moraes. As versões, contudo, permaneceram conflitantes.
Veja abaixo os pontos explicados pelos dois:
Dinheiro em sacola de vinho
Versão de Cid
Mauro Cid reforçou que recebeu do general Braga Netto, no Palácio da Alvorada, uma quantia de dinheiro em uma sacola de vinho para repassar a militares. O repasse teria acontecido em 9 de novembro de 2022.
Cid afirmou que a sacola estava lacrada e ele calculou o valor aproximado pelo peso, sem ter aberto para ver o dinheiro, e que depois passou o dinheiro para o major Rafael de Oliveira.
Ao ser questionado sobre o motivo de não ter mencionado isso em seu depoimento inicial à PF (Polícia Federal), o tenente-coronel disse que estava “em choque” pela prisão de colegas, além de que, segundo ele, o interrogatório teria focado mais na reunião que aconteceu na casa de Braga Netto em novembro de 2022 — a qual De Oliveira também esteve presente.
“Eu não me recordo a data, mas talvez urna ou duas semanas depois, o general Braga Netto me entrega dinheiro. Acho que foi… eu não me engano, mas eu creio que foi quando o De Oliveira [major do Exército] esteve no [Palácio da] Alvorada. Ele me entregou uma… era tipo uma coisinha de vinho assim, de presente de vinho, com dinheiro. Eu não contei, não sei quanto, tava grampeado e aí o De Oliveira veio buscar o dinheiro. Então, eu peguei o dinheiro e passei para o De Oliveira”, reafirmou Cid ao Supremo.
O ex-ajudante de ordens também completou que o ex-ministro entregou o dinheiro para bancar a ida de manifestantes a Brasília após o PL se negar a dar o valor.
Segundo o tenente-coronel, o general buscou “outros caminhos” para viabilizar recursos depois que a sigla recusou custear transporte, hotel e passagens de apoiadores.
Cid diz que não se lembra completamente, mas acredita que o dinheiro teria sido entregue em um dos três lugares do Palácio da Alvorada onde mais transitava, segundo ele: a garagem privativa, a sala da ajudância de ordens ou o estacionamento ao lado da piscina.
Ao ser questionado pela defesa do general, o tenente-coronel disse que o dinheiro foi repassado pela manhã, além de que a entrega não foi presenciada por mais ninguém. Também adicionou não ter provas materiais do recebimento.
Braga Netto negou ter entregado qualquer quantia a Cid, mas reconheceu tê-lo encaminhado para o então tesoureiro do Partido Liberal, Coronel Azevedo, após o pedido por recursos financeiros. Após a negativa do integrante do PL, o general disse que o assunto “morreu”.
Indagado pela defesa de Cid, o ex-ministro disse que não era comum que lhe procurassem pedindo dinheiro e que, ao acontecer, era comum que encaminhasse ao tesoureiro do PL.
Braga Netto diz lembrar que o pedido de Mauro Cid aconteceu ao lado da piscina do Alvorada.
Reunião
Outro ponto de divergência que foi mantido com a acareação foi uma reunião na casa de Braga Netto, com De Oliveira e Ferreira Lima, coronel do Exército, além de Cid.
Segundo o ex-ajudante de ordens, motivo seria a insatisfação com o resultado das eleições presidenciais que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022, e que “alguma ação tinha de ser feita.”
O encontro teria acontecido em 12 de novembro de 2022. Cid afirma que teria o procurado anteriormente para marcar a reunião, possivelmente por telefone.
Ministro, basicamente, os três tinham a mesma ideia, que tinham que ser feitas… alguma ação tinha de ser feita para que o presidente quisesse assinar um documento e as Forças Armadas entendessem a necessidade de intervir
Mauro Cid em acareação no Supremo Tribunal Federal
Já Braga Netto atesta que o encontro aconteceu de forma casual, apenas para que os militares o cumprimentassem.
“Eles chegaram, subiram, não me conheciam, queriam me conhecer, por eu ser uma pessoa de certo renome, falaram amenidades porque a distância era muito grande. Eu os recebi muito bem e saíram os três juntos [incluindo Cid]”.
Questionado sobre o motivo de ter alterado, em depoimento à Polícia Federal, o que havia sido dito inicialmente, Mauro Cid relatou que mudou sua versão sobre a reunião porque, de início, parecia só algo de insatisfação com resultado eleitoral, mas depois que tomou conhecimento sobre o plano “Punhal Verde e Amarelo”, percebeu que poderia ter sido algo mais sério.
Relação com major de Oliveira
As versões dos depoimentos também divergiram sobre o major De Oliveira.
Mauro Cid afirmou que De Oliveira mencionou ter uma “ligação muito próxima” com o general — o que depois corrigiu para “funcionalmente naquele momento.”
Já o general Braga Netto negou qualquer relação “próxima” com o militar.
“Indagado pelo Min Relator se conhecia o Cel de Oliveira, o General Braga Netto disse que jamais manteve qualquer relação com o mesmo, que até pode ter servido sob suas ordens, mas como interventor, sua relação era direta com os comandantes de batalhões”, aponta o documento da acareação.