Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou a data de 8 de março como o Dia Internacional das Mulheres, uma homenagem às lutas históricas femininas por seus direitos, igualdade e justiça. Ainda hoje, elas continuam a luta para serem respeitadas nos espaços de trabalho, nas ruas e até mesmo dentro da própria casa, para que não sejam vítimas da violência ou preconceito de gênero. A data, que deveria ser uma celebração da força e das contribuições femininas, também serve para dar visibilidade à violência de gênero, um problema estrutural que afeta mulheres de todas as idades, classes sociais e culturas.
Apesar das conquistas, a violência doméstica – especialmente a psicológica – continua sendo uma das formas mais persistentes de desigualdade e opressão vivenciadas pelas mulheres.
No Distrito Federal, a violência doméstica é uma dura realidade enfrentada diariamente por inúmeras mulheres. A Lei Maria da Penha define esse tipo de violência como “toda ação ou omissão, baseada no gênero, que cause morte, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação íntima de afeto, em que o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima”.
Em 2024, a capital do país contabilizou 20.867 casos, uma média de 57 ocorrências registradas por dia, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). O número alto reflete a necessidade de combater essa grave violação de direitos.
As ocorrências de violência doméstica ou familiar totalizaram 18.241 vítimas. Houve a reincidência para 2.332 mulheres, ou seja, 12,8% do total foram agredidas em duas ou mais ocorrências durante o período de janeiro a dezembro de 2024.
Do total dos crimes analisados, afere-se que a maioria dos casos ocorrem dentro de casa (78,7%). De acordo com a SSP-DF, na maior parte das ocorrências, os diferentes tipos de incidência da violência acontecem de modo conjunto, ou seja, um registro pode incidir violência psicológica, física e patrimonial, por exemplo.
Porém, dentre os tipos de violência doméstica e familiar uma delas teve maior incidência. Em 75,6% dos casos registrados no ano passado ocorreram crimes de violência psicológica.
Em relação aos autores desses crime, o levantamento da SSP mostra que, no ano passado, 91,8% eram homens.
Sinais de violência
A neuropsicóloga Juliana Gebrim explica que um dos sinais mais comuns de que a mulher está sofrendo violência psicológica é a baixa autoestima, acompanhada por sentimentos de inadequação. Nestes casos, geralmente a mulher costuma se isolar, evitando amigos e interação social.
“Enquanto os sinais de abuso físico são visíveis, os danos emocionais muitas vezes são invisíveis e podem perdurar. As feridas emocionais causadas por insultos e manipulação afetam profundamente a autoestima e a saúde mental, desencadeando em problemas como depressão e ansiedade”, comenta.
Segundo a especialista, essas experiências negativas podem afetar os relacionamentos sociais, levando até mesmo à perda de oportunidades de trabalho. “Elas precisam reconhecer a situação e validar seus sentimentos. Depois, é preciso criar um plano de segurança, identificando um lugar seguro para ir e organizando um kit com documentos e itens essenciais que ela precisará para resolver o problema”, orienta.
Ela enfatiza a importância da mulher criar uma rede de apoio; compartilhar as experiências com amigos ou participar de grupos de apoio que proporcionem conforto e ajudem a entender que não estão sozinhas. A ajuda de um psicólogo também pode auxiliar na reconstrução da autoconfiança e no manejo do trauma.
“Nosso apoio visa reconstruir a autoestima dessas mulheres e recuperar a independência emocional. A educação em assertividade também é importante para que aprendam a expressar suas necessidades e estabelecer limites saudáveis. Assim, ajuda as vítimas a se reerguerem e se prepararem para um futuro mais saudável e feliz”, pondera.
Rosa Aparecida Melo Barbosa, de 45 anos, é natural de Minas Gerais, mas mora no Distrito Federal. Ela viveu 18 anos em um relacionamento marcado por abusos físicos, psicológicos e até 3 tentativas de feminicídio.
“Na primeira vez me ameaçou com uma espingarda, na segunda me enforcou, e na terceira, que para mim foi a gota d’água, tentou colocar fogo na casa comigo e as crianças dentro”, relata.
Durante esse período, Rosa não conseguia enxergar a gravidade da situação e se sentia aprisionada pelo medo, pressionada pela crença de que “Deus é contra a separação”. Foi, então, que ela decidiu se mudar para a capital, onde encontrou o apoio da delegada da Policia Civil do Distrito Federal, Grace Justa, que também é diretora do Departamento de Políticas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e delegada da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Hoje, Rosa está em um novo relacionamento, saudável, e se tornou uma voz ativa, alertando outras mulheres sobre os perigos da violência doméstica. “Não deem chances para homens violentos, pois as promessas de mudança nunca se cumprem. O importante é permanecer firme e não voltar atrás”, declara.
Acolhimento e rede de apoio
O Instituto Umanizzare, no Núcleo Bandeirante, atua há seis anos no acolhimento e desenvolvimento de mulheres. A ONG oferece uma rede de apoio multidisciplinar que busca mudar a vida de vítimas da violência doméstica e familiar.
Fátima Rocha, 62 anos, conheceu o instituto em um momento da vida em que precisava ressignificar o luto. Ela havia acabado de perder dois filhos — um vítima de homicídio e o outro de acidente —, e também estava lidando com o abandono do ex-marido.
“Foi muito importante para mim esse encontro com a ONG, pois comecei a receber o acolhimento psicológico, além de participar de palestras e oficinas. Nesse meio também recebi um convite especial para integrar a equipe como secretária. Foi muito bom voltar a produzir e trabalhar”, conta.
A ONG sobrevive por meio de doações e conta com uma equipe de 30 voluntárias formada por advogadas, psicólogas, assistentes sociais, médicas e nutrólogas que atuam no acolhimento dessas mulheres.
“O programa Dona de Mim busca, principalmente, trabalhar a autoestima para trazer essa mulher de volta, fazer ela volta a acreditar em si. Ela nos procura na condição de vítima, mas o que ela precisa é construir um futuro, pois tem total capacidade de ter uma vida digna daqui para frente. Vejo como uma mulher muito forte que passou por um momento difícil, não como uma vítima”, enfatiza.
Fátima conta que se viu parte da estatística ao ser vítima da violência contra a saúde da mulher. No final do ano passado, foi diagnosticada com câncer de mama. Ela disse que se deparou com um serviço precário na rede pública. O tratamento só foi possível por meio de uma campanha da ONG para conseguir atendimento na rede privada.
“Todo dia é dia da mulher. Nossas conquistas têm que ser celebradas diariamente. Sou uma mulher que trabalha e hoje me vejo como aquela que ama a si mesma, se acolhe e se cuida”, exalta. A história dela serviu como inspiração para um documentário biográfico.
Enfrentamento à violência
A principal política pública da Secretaria da Mulher do DF (SMDF) é o serviço de acolhimento e acompanhamento de mulheres vítimas de violência. A pasta adotou programas e projetos para garantir o enfrentamento à violência, a autonomia econômica e o acesso à saúde integral das mulheres. Também são desenvolvidas políticas públicas voltadas ao empreendedorismo feminino.
Alynne Lopes Maciel, 40, teve o primeiro contato com os programas da SMDF em 2023, após sofrer violência doméstica do ex-companheiro e perceber que não cabia mais naquela realidade de agressões.
“Durante esse período, eu e os meus quatro filhos fomos acolhidos pela Casa da Mulher Brasileira. Resolvi tomar uma decisão de buscar por apoio e independência financeira. Por meio desses programas da secretaria, fiz alguns cursos profissionalizantes, um deles foi o de cuidadora de idosos”, conta.
A mulher decidiu seguir na carreira de cuidadora e, atualmente, possui dois empregos na área. “É muito gratificante. Hoje consigo tirar um bom salário e cuidar dos meus filhos. Eu vejo que a mulher pode tudo. Sou guerreira, forte e empoderada. Acho que ser mulher é a função mais linda do mundo. Por mais que tenhamos sofrido, não devemos desacreditar de nós mesmas”, afirma.
De acordo com a SMDF, entre as ações em planejamento, estão a inauguração de mais quatro Casas da Mulher Brasileira, a criação de mais unidades de atendimento especializado, a intensificação de programas educacionais e o fortalecimento de parcerias com todo o GDF e outras instituições para ampliar a rede de proteção e apoio às mulheres em situação de risco.
A rede de apoio a mulheres no DF é composta por 24 equipamentos públicos. O DF conta atualmente com nove Espaços Acolher localizados no Plano Piloto, Brazlândia, Gama, Paranoá, Planaltina, Santa Maria, Sobradinho, Samambaia e Ceilândia.
A rede de acolhimento da Secretaria da Mulher também conta com uma Casa Abrigo, uma Casa da Mulher Brasileira em Ceilândia, três Centros Especializados de Atendimento às Mulheres (CEAMs) e cinco Comitês de Proteção à Mulher – Itapoã, Ceilândia, Lago Norte, Estrutural e Sobradinho.